domingo, 28 de dezembro de 2008



28 de dezembro de 2008
N° 15832 - MARTHA MEDEIROS


Iolanda e Copola, dois mundos

Quando eu era guria, gostava bastante de novela, mas aos poucos fui abandonando o vício e hoje assisto apenas uma ou outra, sem fissura. Mas esses capítulos finais de A Favorita estão me deixando presa em frente à tevê, seja pelo desempenho magnético de Patricia Pillar, seja pelas situações bizarras: o Gonçalo (Mauro Mendonça) morrendo literalmente de susto foi quase engraçado de tão trash.

Seria preciso sacrificar uns três bois para espalhar tanto sangue pela casa, e só por mágica alguém conseguiria eliminar toda a sujeira em poucas horas, sem deixar resquícios de manchas ou cheiro. Mas o que cativa nas novelas são justamente os absurdos.

Em outro núcleo de A Favorita, há um drama menos ruidoso. É o que envolve o casal Copola e Iolanda, vividos pelos excelentes Tarcisio Meira e Suzana Faini. São dois coadjuvantes de luxo da novela, que não têm o que fazer em cena, a não ser demonstrar com muita sutileza a importância da sintonia para a felicidade de um relacionamento.

Copola, apesar do jeito rústico, é um homem que gosta de livros, que se emociona com música, que sabe apreciar arquitetura histórica, que dá o devido valor à arte.

O resultado disso é que se tornou um homem com uma sensibilidade refinada e um olhar abrangente pra vida. Se sente confortável em qualquer ambiente porque sabe que o dinheiro não torna ninguém melhor do que os outros: ele é um cidadão que mergulhou no mundo sem sair da sua aldeia, portanto transita em qualquer meio com a segurança de quem fez das emoções o seu código de conduta.

Sua mulher, ao contrário, não compreende onde está o mérito de se entregar à contemplação do que lhe parece tão abstrato. Ela dedica sua vida à cozinha e à limpeza da casa. Só lhe interessa o que é prático.

Não se desloca um milímetro do lugar comum, é a embaixatriz do trivial. Dá a impressão de que a rotina escravizante é que lhe deixou assim amarga, mas essa escravidão não foi imposta pelas paredes do seu castelinho de alvenaria: ela se deixou enclausurar pela ignorância. Tornou-se obtusa por não desenvolver a paixão pela vida, e perdeu ambas: a vida e sua paixão, Copola.

Às vezes as pessoas me perguntam: por que os casamentos terminam tão cedo hoje em dia? Não terminam mais cedo hoje. É que antes o casal não se separava porque a mulher não tinha como se sustentar, e isso dava a falsa impressão de que eram casais longevos.

O casamento acabava, mas o convívio prosseguia. Mais do que a separação de corpos, o que pode dar fim a um amor é a separação de percepção: um enxerga o mundo em cores, o outro em preto-e-branco.

Um percebe a delicadeza e a profundidade de tudo o que existe, o outro não consegue ir além da superfície. Pode um casal ser mais desunido do que aquele que, olhando na mesma direção, não consegue enxergar a mesma coisa?

Temperamentos antagônicos apimentam uma relação, dão graça ao embate, mas a falta absoluta de afinidades emocionais e intelectuais torna a convivência desértica e sem comunicação. Sentir o mundo de forma parecida é o que formata uma dupla.

Copola e Iolanda não se traem, não se espancam, não brigam nem reatam mil vezes, não é o protótipo do casal de novela e não faz a mínima diferença se ficarão juntos no final. Nunca estiveram.

òtimo domingo - Aproveite os últimos dias de 2008.

Nenhum comentário: