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terça-feira, 23 de dezembro de 2008
23 de dezembro de 2008
N° 15828 - MOACYR SCLIAR
Presentes de Natal: a oculta mensagem
O jornal O Povo, de Fortaleza, pede-me que indique minha história preferida de Natal. Escolha difícil. O tema sempre se constituiu em desafio para os ficcionistas e daí surgiram obras-primas, a começar pelo clássico Missa do Galo, de Machado de Assis, conto no qual o tradicional espírito natalino dá lugar, e por pungente contraste, a uma melancólica (mas profunda) meditação sobre a condição humana.
Mais compatível com a imagem do Natal, e igualmente comovente, é O Presente dos Reis Magos, do contemporâneo de Machado, o norte-americano O. Henry, pseudônimo de William S. Porter (1862 - 1910), famoso pelas histórias espirituosas e surpreendentes.
O.Henry apresenta-nos a um jovem casal, Jim e Della, muito apaixonados e muito pobres. Como presente de Natal, Della decide comprar para Jim uma cara corrente para o relógio de bolso que o jovem marido herdou do pai.
Sem dinheiro, não tem outro jeito senão o de vender a bela cabeleira (que Jim adora) a um fabricante de perucas. E adivinhem que presente Jim compra para a esposa? Uma coleção de pentes, claro, paga com o dinheiro da venda do relógio. Corrente e pentes agora são inúteis; o duplo equívoco faz-nos meditar sobre o ato de presentear, de cuja importância dá testemunho a movimentação das lojas – com crise e tudo às pessoas vão às compras. E aí dê-lhe embrulhos caprichados.
E decepções. Inevitáveis, não é? De repente, a pessoa já leu aquele livro, não gosta daquele vinho (ou é abstêmio, como este que vos fala), detesta a cor da blusa que a gente escolheu. E ah, sim, tem a questão dos números. Muitas vezes escolhidos ao acaso. A gente olha a vendedora e diz: “Acho que minha mulher é mais ou menos do teu tamanho”. E não é. Ou então era, mas as pessoas engordam ou emagrecem, certo?
O resultado é que, nos dias seguintes ao Natal, as lojas estão cheias de novo, mas desta vez de gente trocando livros, vinhos, blusas, vestidos. Os vendedores precisam ter muita paciência.
No caso de Jim e Della, a troca não resolve o problema; mas o final do conto não é triste. O casalzinho descobre que pode compensar a frustração com o amor que sentem um pelo outro.
Com isto nos transmitem uma lição absolutamente óbvia, mas que, sendo véspera de Natal, não custa repetir: em termos de presentes, vale a intenção. Vale o afeto e o carinho que a gente põe naquele objeto. E aí não importa o tamanho, a cor ou o tipo de presente. A boa literatura, como a de Machado e de O.Henry, ensina-nos a viver. É verdadeiro presente de Natal.
Recebi um verdadeiro dilúvio de e-mails (em inglês, inclusive) sobre o texto que aqui escrevi na última terça, abordando o incidente da sapatada em Bush. Foram tantas as mensagens que não tenho espaço para comentá-las, motivo pelo qual peço desculpas aos remetentes, alguns dos quais pessoas conhecidas de nossa intelectualidade.
A maioria apoiou o jornalista iraquiano e neste sentido preciso esclarecer minha posição: não defendi o Bush, que hoje é considerado quase que unanimemente um péssimo mandatário, quando mais não seja por causa de seus erros – em política, diz um velho aforismo, erro é pior que crime – erros pelos quais merecia ser julgado em um tribunal internacional.
Isto posto, a verdade é que o comportamento dele no episódio foi surpreendente, sobretudo pelo comentário bem-humorado; bom humor, que, aliás, freqüentemente falta a governantes belicosos.
A agressão de Muntazer Al-Zeidi foi um compreensível desabafo e pode estar de acordo com a cultura da região, mas, como disse o sábio Lauro Quadros no Polêmica, não é exatamente isso o que se espera de um jornalista, coisa que o autor do sapataço aparentemente reconheceu ao pedir perdão.
Mas isto já é passado; 2009 trará para os Estados Unidos um novo presidente que, esperamos, tornará desnecessário o esporte do arremesso de calçados e talvez resulte em mais paz (ou em menos guerra) para o Oriente Médio.
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