quinta-feira, 18 de dezembro de 2008



18 de dezembro de 2008
N° 15823 - RICARDO SILVESTRIN


O impreciso

Lendo a poeta americana Emily Dickinson, encontro mais uma autora que possui exatamente aquilo de que mais gosto na arte da poesia. Ela viveu de 1830 a 1886. Publicou poucos textos em vida. Sua obra foi descoberta pela família, 1775 poemas inéditos, após a sua morte. Mas não é esse ar de destino trágico que me agrada. Do que gosto é uma precisa construção do impreciso.

Existem os poetas de conteúdo visível. É possível claramente delimitar do que falam. Tratam de temas importantes, roçam os fatos da história do seu tempo. São, na maioria das vezes, os mais aceitos e elogiados, os considerados grandes.

A experiência de leitura dos seus textos é mais próxima da que temos na fala comum. Alguém diz algo e não prestamos muita atenção às palavras, olhamos através delas, para o que elas indicam, pois estamos atrás do conteúdo.

A prosa realista também dá essa ilusão de estarmos indo frase a frase atrás de um conteúdo. Drummond e Chico Buarque estão nesse time. São entendidos e louvados. Gosto deles também, mas, às vezes, parecem-me balofos de conteúdo. Como se o texto estivesse desequilibrado entre o sugerir, soar e dizer, sem deixar aquele espaço para que possamos até nos perder. Falo aqui de gosto, não de valor.

O valor é dado por parâmetros e não pretendo fazer do meu gosto o critério de medida. Por isso, gosto mais de Manuel Bandeira do que de Drummond. Em Bandeira, o poema se realiza com muito pouco, mas se realiza como poema, não como tratado, minifilosofia, miniensaio sociológico.

Dos simbolistas franceses, prefiro Verlaine, das Festas Galantes. Do haicai japonês, adoro Issa. Da poesia dos anos 80 no Brasil, Alice Ruiz. Caetano Veloso me provoca mais do que Chico Buarque. Paul McCartney do que John Lennon.

Alguns versos dos Poemas Escolhidos da Emily Dickinson, na tradução de Ivo Bender: “Por ocupação, só isto: / Abrir amplamente minhas mãos estreitas / Para agarrar o paraíso.”; “As misérias da conjetura / São uma dor mais amena / Do que um fato de ferro / Endurecido por “Eu sei”.”; “Dá-me, Senhor, uma ensolarada mente / Para suportar Teu desejo tormentoso!”. Palavras precisas para falar do impreciso.

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