sábado, 13 de dezembro de 2008


Juremir Machado

O GOLPE DE MORTE

Há 40 anos, em 13 de dezembro de 1968, Costa e Silva baixava o AI-5. Era o golpe dentro do golpe, o aprofundamento da ditadura. Os milicos jogavam o Brasil na escuridão total. Os ditadores davam-se todos os poderes imagináveis.

Pelo artigo 2º, o 'presidente da República', quer dizer, o general de plantão, podia 'decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República'.

O detonador de tamanha arbitrariedade não poderia ser mais absurdo e burlesco: o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, conclamando o povo a boicotar o desfile de Sete de Setembro e as moças a não saírem ou dançar com oficiais.

O Brasil quase teve a sua Lisístrata. Na peça de Aristófanes, as mulheres fizeram greve de sexo para que os homens selassem a paz. No Brasil ainda pudico, pois os verdadeiros efeitos de maio de 68 só chegaram aqui mais tarde, a greve das moças era para ser bem mais recatada.

A milicada, ainda assim, não gostou da provocação. Interessante mesmo é ver a lista de ministros que subscreveram o AI-5. A maioria já morreu. Estão por aí Jarbas Passarinho e Delfim Netto. A prova de que o Brasil não é país sério é essa mesma: nenhum deles sofreu qualquer punição. Nem sequer uma geladeira.

Delfim encontrou voto para se eleger representante no Congresso cujo fechamento autorizou. Hoje, pimpante, escreve para Carta Capital, uma revista vista por muitos dos seus leitores como genuinamente de esquerda.

Viva o perdão total! Viva a falta de memória e de ressentimento!
Mino Carta, chefão da Carta Capital, foi o primeiro diretor de redação da revista Veja, criada em 1968. Ele garante que teve de prestar 36 depoimentos à Polícia Federal. Veja sofreu muita censura.

As más línguas sugerem que Veja surgiu para defender a democracia com apoio de Golbery, o Maquiavel da ditadura. Certo é que Mino não guardou mágoas do poderoso Delfim, ministro de confiança dos milicos. Afinal, no Brasil tudo começa em feijoada e termina em pizza ou em geléia geral. O AI-5, autorizado também por Delfim Netto, não foi brincadeira.

Pelo artigo 10º, ficava 'suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular'. Um pouquinho de rancor em relação a quem subscreveu tudo isso não seria excessivo nem pecado de falta de grandeza espiritual. Passamos a borracha.

Muita gente morreu ou foi torturada sob o manto profano do AI-5. O Rio Grande do Sul contribuiu fartamente para os períodos mais autoritários da vida brasileira, com Getúlio Vargas no Estado Novo e com três dos cinco ditadores pós-64 (Costa e Silva, Médici e Geisel).

Figueiredo, o mais estúpido de todos, aquele que preferia cavalo a gente, não era gaúcho, mas foi educado em nosso pagos. Somos uma fábrica de ditadores.

Tivemos alguns para consumo doméstico, como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, cujos nomes estão por toda parte como prova do nosso apreço por executivos fortes, e outros para exportação.

Quem sabe um dia o Rio Grande do Sul não aproveitará um aniversário do AI-5, por exemplo, o de 50 anos, para pedir desculpas ao Brasil pelos ditadores que gerou, formou, aprimorou, abrigou ou apenas apoiou.

juremir@correiodopovo.com.br

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