Um homem, talvez 30 anos, se lançou para o meio da rua. Ele surgiu da calçada oposta ao prédio da Fundação Iberê Camargo, zona sul de Porto Alegre. Temi que o pior pudesse acontecer. Meu medo não se baseava apenas no perigo do trânsito intenso daquele fim de tarde da semana passada. É que, além do gesto imprudente, o homem, sem camisa e vestindo calças esfarrapadas, tinha as pernas paralisadas.
Movimentava-se apoiado pelas nádegas no asfalto e impulsionado pelas mãos. Além de se jogar na frente dos carros, passou a se mover na direção do fluxo, como se fosse um carro, só que lentamente e fora do ângulo de visão dos motoristas. Felizmente, dois motoqueiros pararam o trânsito. Depois de alguns metros, o homem, para alívio de todos, jogou o corpo para cima da calçada, do lado em que eu estava. Quando me viu, começou a berrar, com raiva: "PRA TI EU SOU UM MENDIGO?? PRA TI EU SOU UM MENDIGO??".
Então eu disse: "Para mim tu és um ser humano". Indiferente à minha resposta, ele continuou a gritar: "NÃO MATEI NINGUÉM, NÃO ROUBEI! TÔ COM FOME! TÔ COM SEDE!".
Fui até o bistrô da Fundação Iberê e comprei dois cachorrinhos-quentes, uma água e um café. Enquanto esperava o pedido, vi um segurança se aproximando do homem, que continuava a vociferar: "PRA TI SOU UM MENDIGO???". "NÃO MATEI NINGUÉM!!". Saí do bistrô e expliquei que, em breve, traria comida e bebida ao homem que ali estava. O guarda sorriu, solidário. Voltei, peguei o lanche e levei-o até a calçada. "Cuidado que o café está quente", avisei. E ele, sempre aos berros: "ISSO EU SEI, NÉ!!! EU SEI QUE CAFÉ É QUENTE!!!".
Ele pegou a comida e a bebida, acomodou ao seu lado e começou a refeição. Despedi-me, desejei boa sorte. Não há nada de especial no que eu fiz.
Mas, enquanto caminhava em direção à entrada da Fundação Iberê, me sentia bem. Pelo menos até que me dei conta do meu erro. Escutei, enquanto entrava pela porta, o homem berrando, a plenos pulmões, com o copo de café na mão: "PQP!!! O CARA NÃO BOTOU AÇÚCAR!!!". _
Tulio Milman
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