Pampa gaúcho perdeu 28% da vegetação nativa desde 1985, diz MapBiomas
Alta conversão de áreas de vegetação nativa para produção agrícola no Pampa preocupa pesquisadores do MapBiomas
Alta conversão de áreas de vegetação nativa para produção agrícola no Pampa preocupa pesquisadores do MapBiomas
A porção brasileira do Pampa, localizada na metade sul do RS, perdeu 28% da sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, especialmente para a soja e a silvicultura. É o que aponta levantamento do MapBiomas Pampa Trinacional, que monitora o uso e a cobertura da terra na região Pampeana do Brasil, da Argentina e do Uruguai. O índice, entretanto, é desacreditado pela Federação da Agricultura do Estado (Farsul), que defende o desenvolvimento econômico da região por meio da atividade agrícola.
De acordo com o estudo, 3,3 milhões de hectares foram atingidos pelo processo, correspondentes a 66 vezes a área de Porto Alegre. A maior taxa de perda de biodiversidade na comparação entre os três países no período. E, proporcionalmente ao seu tamanho, o Pampa brasileiro também foi o que mais perdeu vegetação nativa entre todos os biomas brasileiros. A vegetação mais afetada foram os campos, a vegetação típica do bioma, formada por centenas de espécies de gramíneas e ervas - também denominada de vegetação campestre, diz o pesquisador Eduardo Vélez.
Segundo o agrônomo do MapBiomas, a conversão dos campos para usos antrópicos, quando em excesso, causa diversos prejuízos ambientais como a extinção local de espécies e o comprometimento de importantes serviços ecossistêmicos, como o controle da erosão e a regulação do ciclo da água.
Além do avanço da soja, o levantamento destaca o crescimento exponencial das áreas de silvicultura no Brasil, que aumentaram 1.600% em 39 anos, passando de 44 mil hectares em 1985 para 773 mil hectares em 2023.
“Nos últimos 10 anos, a perda da vegetação campestre no Brasil tem inclusive aumentado, configurando um cenário ambiental e uma tendência para os próximos anos muito preocupante. Já enfrentamos uma crise climática, que pode se agravar se não houver equilíbrio entre transformação e conservação da paisagem em todas as bacias do bioma”, acrescenta Vélez.
Como alternativa ao cultivo de soja, principalmente, o pesquisador aponta a construção de uma rede de pequenas reservas ambientais ou mesmo a pecuária sustentável, explorando inclusive um status de carne diferenciada, com maior valor agregado, “sem carimbo de desmatamento e emissões de carbono”. Seria uma solução com base em uma oportunidade de mercado, uma vez que a União Europeia já discute e acabou adiando a implantação da Regulação Anti-Desmatamento, que entraria em vigor ao final deste ano, com novas regras para importação de carnes.
“A exploração da soja dá retorno econômico mais rápido. Mas na discussão sobre emergência climática seria importante buscarmos soluções na própria natureza. Como me preparo para secas ou enchentes usando a natureza para me proteger? Conservando e restaurando a vegetação nativa em locais estratégicos, por exemplo”, argumenta o biólogo do MapBiomas.
Para o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, porém, soja e eucalipto não causam o efeito devastador indicado pelo estudo. Ele, inclusive, questiona a capacidade de precisão das ferramentas utilizadas há quase 40 anos para afirmar o que havia de mata nativa e o que já poderia ser pastagem plantada.
“Não é possível comprovar se o que foi detectado pelas imagens captadas era nativo, azevém, cornichão, trevo branco, floresta ou campo. Não se pode falar em devastação. Esse dado está errado”.
Vélez esclarece que o satélite usado em 1985 é o mesmo de 2023, Landsat, com resolução espacial de 30 metros. E que a resposta espectral para áreas de vegetação nativa é bem diferente em relação às áreas ocupadas por pastagens plantadas. Embora admita que os mapas não são infalíveis, ressalta que a exatidão calculada é superior a 80%, o que permitiria afirmar os padrões temporais de transformação divulgados como medida muito próxima da realidade.
“Não tem por que contestar o dado de 1985”, rebate o pesquisador do MapBiomas.
Atraso econômico e social puxam argumentos pela expansão dos grãos
Produção de grãos pode alavancar desenvolvimento econômico e social da região, diz Antonio da Luz
Produção de grãos pode alavancar desenvolvimento econômico e social da região, diz Antonio da Luz
Nascido em Quaraí, no Pampa, de onde saiu rumo à Capital em busca de melhores perspectivas, por conta do empobrecimento da região, Antônio da Luz cita estudos da Embrapa sobre emissões e captação de carbono na cultura da soja como argumento ecológico para que a região amplie a área de cultivo de soja e de florestas. E aponta o atraso econômico e social como justificativa principal.
“A qualidade das escolas é inferior. O investimento por aluno é menor que na Metade Norte. Ocorre o mesmo nas áreas da saúde e da segurança. Onde a renda é mais alta, os investimentos também o são. E a renda per capita no Pampa é muito inferior. Por quê? A diferença entre as metades norte e sul do Estado é o grão”, aponta o economista.
Segundo ele, a indústria gaúcha é movida a grão. E os investimentos são feitos não em busca da geração de empregos, mas de riqueza. Os empregos são consequência desse processo.
Antonio da Luz ressalta que o maior complexo industrial do País é o de alimentos. E que é preciso dinamizar o setor no Pampa para gerar mais riquezas e oportunidades para outras camadas industriais.
"Enquanto o ciclo do boi leva três anos, colho cinco safras, de inverno e verão, no mesmo intervalo. E na esteira dos grãos trago armazenamento, transporte, esmagamento, produção de leite, suínos e aves, abates e produção de biocombustíveis”.
O economista da Farsul garante não deslegitimar a preocupação ambiental de quem tem visão contrária. Mas lembra que cerca de 3 milhões de pessoas vivem no Pampa gaúcho, com infraestrutura deficiente, enquanto a região de Passo Fundo se desenvolve em ritmo ainda superior à de Caxias do Sul, justamente por conta da indústria de grãos que lá foi instalada.
Segundo ele, o Pampa teria área suficiente, respeitando a legislação e mantendo intacta 20% da reserva legal, para estar mais rico que a metade norte gaúcha em três décadas com produção agropecuária e industrial.
“O Brasil já é o maior exportador líquido de alimentos do mundo. E será o maior produtor de energia renovável também. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.993/2024, que estabelece diretrizes para a política de incentivos à produção e ao uso de biocombustíveis. Mas, para a transição energética que queremos é preciso grão”, finaliza.
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