Escola sem partido e a liberdade de expressão
Minha primeira reação diante da aprovação pela Câmara de Porto Alegre do projeto Escola Sem Partido, que proíbe a "doutrinação política ou ideológica" em escolas municipais, foi de que essa seria uma ação contraditória: como pode a direita reivindicar liberdade de expressão, quando critica a regulamentação de redes sociais, e podá-la dentro da sala de aula?
Pensei também em desconhecimento: como vai a plenário um projeto de lei cujo conteúdo da matéria já foi considerado inconstitucional pelo Supremo em 2019, em caso semelhante em Alagoas?
Como não espero coerência nem tampouco ignorância dos vereadores sobre aspectos jurídicos, aposto em oportunismo político. A lei, que irá à sanção do prefeito Sebastião Melo provoca mais barulho do que, efetivamente, coíbe "doutrinação política ou ideológica".
Em defesa do projeto, se diz que o objetivo é trazer "bom senso de volta às escolas", um suposto ambiente neutro, entre a primeira e quinta séries da rede pública municipal. Quem descumprir a lei será responsabilizado, com penas que podem incluir advertência, suspensão e até multa.
A medida aprofunda a patrulha entre pais e professores, em um ambiente escolar já por demais polarizado, onde, além de divisões políticas, corre solto, aliás, o bullying - esse, sim, um problema que os nobres vereadores deveriam enfrentar. Direitos humanos, questões de gênero, respeito às diferenças e, acima de tudo, diálogo, é justamente o que os pequenos cidadãos em formação precisam. Se não na escola, onde aprenderão sobre esses temas? Nas redes sociais? _
Entrevista - Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha - Presidente do Superior Tribunal Militar (STM)
"A política não pode invadir os quartéis"
Por apenas um voto de diferença, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi eleita presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Ela será a primeira mulher a ocupar o cargo, com mandato entre 2025 e 2027. Ela conversou com a coluna.
? Quais os principais desafios do novo cargo?
O maior desafio que a Justiça Militar tem enfrentado é ingressar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão extremamente importante, que edita resoluções, recomendações, protocolos e que, inclusive, nós nos submetemos. Não é justo, e eu diria que é inconstitucional, a ausência de assento em um órgão de controle por parte da Justiça mais antiga do Brasil, que é a Justiça Militar. Esse é o primeiro embate, o grande desafio que encaro. Também devemos promover atualizações.
Que tipos de atualizações?
A questão das drogas é um exemplo. Tem de ser tratada de forma diferenciada para aquele que é adicto, para o dependente químico, e que utiliza para recreação - ou então que utiliza a cannabis para fins medicinais. Uma outra questão é a da violência contra a mulher. Entendo que não é um crime militar, mas um crime que tutela outros bens jurídicos, como a família, a própria mulher, as crianças, a infância e a adolescência. Julgamos as violências contra as mulheres em três hipóteses: quando o autor da violência ou a mulher vitimizada é militar; quando foi a violência desferida dentro de uma vila militar ou dentro de um quartel; ou ainda quando for contra a funcionalidade das Forças Armadas.
Basicamente, a violência contra a mulher, doméstica, de gênero, não é uma matéria que deva ser julgada por uma corte militar. É uma matéria que deve ser julgada, sim, pela vara de violência doméstica, que é um foro especializado e que foi criado com esse intuito. Que cada foro julgue aquilo que lhe compete. Somos uma Justiça militar e nós temos que julgar crimes militares, não crimes dos militares.
Qual a importância de ter uma mulher na presidência do STM?
O grande diferencial dessa eleição é o fato de as mulheres terem direito a condições de acesso igualitárias. Não podemos, mulheres, estarmos confinadas em lugares pré-estabelecidos que a sociedade patriarcal determinou.
Existe uma falsa ilusão de que temos acessos igualitários, quando, na verdade, não é assim. É a primeira vez que uma mulher é eleita para a Corte de Justiça mais antiga do Brasil. Essa eleição mostra que temos que lutar para reivindicar aquilo que nos é de direito. Lugar de mulher é onde ela quer estar. Se ela quer estar em casa, cuidando dos filhos, é um trabalho árduo e é um direito dela. E se ela quer sair e enfrentar o mundo corporativo, o mundo do trabalho também é, e as chances têm de ser iguais.
Como a senhora vê a presença de militares na política?
A política e Forças Armadas não se misturam, porque, quando a política entra dentro dos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem e há abalos. O nosso constituinte originário foi sábio quando estabeleceu as relações especiais de sujeição aos militares. Os militares têm os seus direitos civis, os seus direitos humanos, muito mais coartados, muito mais comprimidos, do que os civis. Por que isso? Porque ele carrega armas, é investido do suporte de armas, do monopólio da força legítima, pelo Estado. Os militares não podem se sindicalizar, não podem pertencer a partidos quando estiverem na ativa, não podem fazer greve.
Porque é preciso que haja estrita observância da hierarquia e da disciplina dentro dos quartéis, sob pena de comprometer o Estado democrático de direito e ameaçar a sociedade civil. Os militares, como legalistas que são, têm a consciência de que a política não pode invadir os quartéis. Aqueles que defendem a politização das Forças Armadas são poucos, porque a história brasileira prova que ela nunca funcionou bem. Não funcionou na República Velha, em 64 e recentemente. Os militares e a política, duas instituições importantíssimas para o bom funcionamento do Estado, não podem se misturar. _
INFORME ESPECIAL
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