24 de Dezembro de 2024
OPINIÃO RBS
OPINIÃO RBS
Os brasileiros chegam a mais um Natal sem sinais de superação da polarização extremada que, ao longo dos últimos anos, produziu uma profunda cisão social. Não se trata de uma fratura protagonizada apenas por partidos e lideranças políticas, mas uma divisão que fez o mal de degradar a convivência civilizada entre os concidadãos. Pior, contaminou relações familiares e afetou círculos de amizade, levando a rompimento de laços ou distanciamentos pela dificuldade crescente em respeitar e conviver com opiniões divergentes.
Mas o Natal, como data de reflexão e confraternização, é sempre uma época que oportuniza repensar comportamentos e estender a mão, como gesto de acolhimento. A emotividade própria do período, o balanço do ano que chega ao fim e os desejos para o que se avizinha podem ser a brecha sentimental para tentar passar por cima de ressentimentos e exercitar a tolerância.
A polarização política e ideológica só serve a ela mesma, porque se retroalimenta e desincentiva a ponderação. Há quem tire proveito eleitoral e financeiro do aumento da largura do abismo que separa os brasileiros. Não é o caso de quem está na base da sociedade e, aferrado a convicções, mais perde do que ganha. Idealmente, o aceno sincero à pacificação, com atitudes, e não apenas palavras oportunistas, deveria partir dos principais representantes das correntes que se opõem. Mas é ilusão contar que esse passo seja dado por quem se beneficia da fissura.
Não interessa, neste instante, elucubrar sobre qual lado tem razão ou lembrar os mecanismos que acentuaram a desagregação. Importa, neste momento, refletir se a luz no fim do túnel para atravessar essa quadra soturna da trajetória nacional não estaria nas mãos dos cidadãos comuns, nas suas relações cotidianas, com o resgate do respeito às diferentes visões de mundo, o exercício de ouvir o outro e a prática da transigência mútua. Transformações sociais são mais poderosas quando acontecem de baixo para cima.
Há um episódio na História que pode servir de inspiração por mostrar que pessoas ocasionalmente envolvidas em disputas cruentas são, no fundo, também fraternas. Cento e dez anos atrás, na noite de 24 de dezembro de 1914, cinco meses após o início da Primeira Guerra Mundial, soldados britânicos, franceses e alemães decidiram informalmente estabelecer um cessar-fogo. No território entre as trincheiras, nas proximidades da cidade belga de Ypres, celebraram juntos por algumas horas o Natal, tradição cristã que os unia. Compartilharam comida e bebidas. Conversaram sobre suas famílias. Os relatos são de que pequenos gestos, de parte a parte, contribuíram para baixarem as armas.
É bem possível que, nesta noite de terça-feira, em muitos lares que receberão confraternizações natalinas, reuniões tenham ausências de pessoas queridas e bastante próximas há não muito tempo. Ou então que a lista de felicitações tenha ficado menor nos últimos anos. Pelo resultado de distanciamentos ocasionados por algum estranhamento ou para evitar qualquer mal-estar. Mas ainda há tempo para o espírito natalino encorajar uma mensagem, um telefonema, um convite que comece a selar uma reconciliação que, multiplicada, também pode ajudar o Brasil a superar os seus impasses.
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