23 de Dezembro de 2024
OPINIÃO - Gabriel Wainer -Apresentador -do @RivoNews
Explicando para nos confundir
Um movimento muito impressionante tomou conta de parte da imprensa brasileira na semana passada. Na terça-feira, jornalistas começaram a ventilar uma explicação decretória sobre a razão pela qual o dólar estava subindo vertiginosamente: um perfil no X (antigo Twitter) com apenas 3,5 mil seguidores havia publicado uma mentira. A mentira, no caso, era uma previsão do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, sobre a cotação do dólar e que ele apoiava a criação de uma nova moeda do Brics. A postagem teria sido replicada por perfis que têm alcances razoáveis nas redes, mas que não são levados a sério por ninguém.
O furo de reportagem teria sido enviado à primeira jornalista que veiculou a explicação estapafúrdia por integrantes do próprio BC. Segundo ela, eles estavam apavorados com os efeitos da potencial propagação da mentira sobre Galípolo. Mesmo que isso seja verdade, o nosso papel como jornalistas não é permitir a instrumentalização do nosso trabalho. Não devemos servir de assessoria de imprensa de instituições públicas. Muito pelo contrário, nosso papel é cobrá-las.
Mas a história é ainda pior, porque qualquer analista econômico sério sabe que o dólar não atingiu sua maior cotação nominal por "fake news". A frivolidade da crença nesta teoria por quem nos informa é preocupante. A colunista Marta Sfredo, de Zero Hora, sintetizou: no dia da divulgação da mentira, o dólar subiu 0,02%. No dia seguinte, sem mentira, subiu 2,8%. Como diria a música de Tom Zé, tem muita gente que explica para confundir e confunde para esclarecer.
O dólar está onde está por fatores que vão desde o descompromisso do presidente Lula com o ajuste fiscal até a desidratação, pelo Congresso, do pacote fiscal já originalmente pueril apresentado pelo ministro Fernando Haddad. Portanto, a "denúncia", claro, foi música para os ouvidos do governo.
Afinal de contas, outro dia mesmo Lula disse que "a única coisa errada nesse país é a taxa de juros". Para alguém que acredita nesse discurso delirante, o dólar atingir sua máxima nominal histórica por causa do X é até factível. _
Posto, logo existo - Daniel Randon - Presidente da Randoncorp e do Conselho Superior do Transforma RS
A famosa frase "Penso, logo existo", de René Descartes, dita para expressar a ideia do filósofo de que a capacidade de pensar é a prova da existência dos seres humanos, bem pode ser substituída por "Posto, logo existo". O paralelo me parece muito perigoso para a formação e a educação das gerações atuais que se distanciam da vida real, aquela do encontro com familiares e amigos, para viver no que entendem ser o mundo ideal retratado nas postagens e nas curtidas.
É temeroso o futuro daqueles que substituíram o bate-papo, o olho no olho e o convívio familiar em torno da mesa das refeições pelas curtas e abreviadas mensagens em português sofrível trocadas até mesmo entre irmãos e pais, inclusive sob o mesmo teto.
Até os ruidosos recreios nas escolas ficaram silenciosos, segundo relato de professores e diretores. Ansiosos, os alunos atualizam suas redes sociais no intervalo, sem interação social com os colegas. Isolados, abrem espaço para depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais, lotando os consultórios psicológicos e psiquiátricos. Se os países desenvolvidos e as boas escolas particulares já adotaram a prática, a tendência é de que ela vire uma regra geral com apoio de grande parte da sociedade. O caminho legal, que pode determinar um regramento necessário para equilibrar o uso pedagógico e evitar distrações em sala de aula preservando o aprendizado, também traz outros impactos.
Dependendo da restrição, a decisão poderá afastar ainda mais a busca pela transformação e por metodologias aplicadas nas escolas que promovam o desenvolvimento e até o empreendedorismo. A desigualdade digital ampliará as diferenças sociais já existentes.
Pais, educadores e legisladores estão diante do desafio de preparar os jovens para serem usuários responsáveis e críticos das tecnologias e, assim, reconectá-los formando cidadãos digitais saudáveis.
Disciplina no uso do celular é importante, mas o foco deveria ser na adaptação das práticas educacionais às novas realidades tecnológicas, enfatizando a necessidade de formação contínua para educadores e a criação de ambientes de aprendizagem mais dinâmicos e interativos. _
Direto da Redação - Kelly Matos - kelly.matos@rdgaucha.com.br
Vergonha
Era o ano de 2020, aquele em que o mundo parou conta da pandemia de covid-19, quando a polícia foi acionada para atuar em um caso clássico de importunação sexual. Um homem, de aproximadamente 70 anos, havia sido flagrado filmando por baixo das saias de mulheres em um supermercado. Repugnante, mas não surpreendente. O indivíduo foi preso e acabou liberado após pagar uma multa ínfima, em torno de R$ 600.
As autoridades, contudo, prosseguiram a investigação. Nos dias que se seguiram, uma surpresa perturbadora. Os policiais apreenderam os computadores desse homem. Neles, havia cerca de 4 mil fotos e vídeos de uma mulher inconsciente sendo estuprada por ele e por dezenas de outros homens, em uma casa. A vítima era dopada com remédios.
Quem era essa mulher? A esposa e mãe dos três filhos dele.
O caso chocou o mundo e teve um desfecho judicial nessa quinta-feira, faltando uma semana para o Natal. O marido confessou à Justiça que recrutava desconhecidos para estuprar a mulher, deixando claro a eles que ela não estava consciente e que eles não deveriam tentar acordá-la.
A vítima chama-se Gisèle Pelicot. A despeito da dor, num gesto extremamente corajoso, decidiu abrir mão do anonimato no processo - proteção assegurada a quem sofre este tipo de violência - para que sua história pudesse dar força a outras mulheres violentadas.
Em uma frase que entra para a história, ela encorajou vítimas a não se sentirem constrangidas e decretou: a vergonha precisa mudar de lado. "Eu queria que todas as mulheres vítimas de estupro afirmassem: se a senhora Pelicot fez isso, nós podemos fazer."
Além do marido de Gisèle, outros 50 homens foram condenados no episódio. Eram pais, maridos e avôs dedicados, segundo suas famílias. Entre eles, um jornalista, um bombeiro e um técnico esportivo aposentado. Todos filmados abusando de uma mulher inconsciente.
O caso de Gisèle se apresenta como um marco mundial para a luta contra abusos e violações sexuais contra as mulheres. É necessária uma reflexão urgente pela sociedade quanto à banalização do estupro já que, como observou a própria vítima, nenhum dos homens considerou errado ter relações sexuais com alguém desacordado, ninguém procurou a polícia para denunciar a barbárie.
Por fim, há de se destacar a força extraordinária dessa mulher que teve a coragem de romper o silêncio, buscar justiça e, como se fosse pouco, ainda se dispôs a encorajar todas as demais a não se calar.
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