Minha queda na avaliação do Uber
Em casa, brincamos de ver quem tem a nota mais alta no Uber. Não sabe onde fica? Acesse o aplicativo, vá ao ícone da sua conta, que se encontra no canto superior direito, clique em cima, e abrirá uma página com a sua foto. Debaixo da imagem, consta a sua cotação de usuário. Assim como você pontua os motoristas, os motoristas elogiam ou não o seu comportamento.
Já deu para perceber que a minha família é competitiva. Possuímos um vasto histórico com notas na escola, com desempenho em competições esportivas, com jogos de tabuleiro como War ou Ludo. Ninguém está ali de bobeira.
Minha nota hoje é a mais alta - 4,93 -, igual à de minha esposa, Beatriz, mas a ultrapasso porque tenho muito mais viagens.
No critério de desempate, eu me consagro como o campeão do momento. Mas nem sempre foi assim. Realizei uma campanha de superação. Minha mãe já baixou a minha nota para 3,90. Fiquei naquela faixa suspeita em que o motorista recusa a corrida por medo do passageiro.
Maria Elisa tem 85 anos, e não aceita a existência do Waze. Deus existe, o Waze não existe.
Entra no Uber e começa a apontar a rosa dos ventos com o indicador. Quando o motorista não adota exatamente o percurso que ela quer, pois ele se orienta pelo mapa eletrônico, ela desanda a perguntar:
- Para onde está me levando?
Pesa um clima de tensão e desconfiança durante o deslocamento. Tentei explicar que o motorista dispõe de um recurso tecnológico para obter um trajeto mais curto e evitar o engarrafamento.
Mas ela insiste em sua direita, esquerda, direita. Não admite que não seja ela a mandar no seu itinerário.
Confesso que suava frio em todo diálogo dentro do veículo, quase caí para a segunda divisão dos usuários com minha mãe de carona. Ao acabar a corrida, eu recebia uma ou duas estrelas. Nunca era contemplado com a constelação inteira.
Até que decidi mudar de transporte e só circular de táxi com a mãe. Não há nota. Não há avaliação. Não há temor de seus questionamentos.
E o melhor é que, quando ela embarca, o taxista pergunta: - Tem uma rota de sua preferência? É tudo o que deseja ouvir. É o céu. É a glória na Terra. Minha mãe não deixa de ter razão em sua mania controladora.
Nem sempre o caminho mais rápido é o mais seguro. Nem sempre o caminho mais rápido é o mais bonito. E nunca o caminho mais rápido é o dela. Atalhos são as trilhas pelas quais ninguém sente vontade de ir, por isso estão vazios.
Ela faz questão de passar pelas vias principais do bairro e conferir como estão os flamboyants, as cerejeiras, os jacarandás amarelos. As árvores são tão importantes quanto as farmácias ou as padarias.
Seguir apenas o Waze é se meter em quebradas, ruas sem asfalto ou esburacadas, declives, lombadas da erosão das chuvas, trechos com pouca iluminação. É bater a cabeça no teto, é segurar na alça para não ser arremessado ao para-brisa.
Maria Elisa conhece a cidade há oito décadas. É a sua intimidade com o mundo. Não é justo arrancar dela suas referências, seu passado, seu berço, seus lugarzinhos de estimação.
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