sábado, 28 de dezembro de 2024


Dominique Wolton

Sociólogo e especialista em Ciências da Comunicação francês recebeu o título de Doctor Honoris Causa da PUCRS no início de dezembro. "Fazer mais rápido a mesma coisa não é um progresso humano"

Com 50 anos de produção acadêmica e 77 de vida, Dominique Wolton vê com preocupação movimentos recentes de flexibilização das formas de trabalho. Segundo ele, essa nova divisão gera uma falsa liberdade e implica perda de autonomia e iniciativa individual.

Isabella Sander

O senhor acompanha as mudanças tecnológicas e políticas e sua relação com a comunicação desde os anos 1970. Quais as principais transformações nesse período?

A evolução técnica favoreceu dois movimentos contraditórios. O primeiro é que cada um pode trabalhar sozinho, onde quiser, em qualquer lugar do mundo. É a individualização. O segundo é que existe uma economia de massa, onde tudo é padronizado e racionalizado. Essa é a principal contradição: podemos trabalhar em qualquer lugar do mundo, mas tudo é organizado e estruturado com muito menos liberdade do que antes. Menos liberdade porque tudo está integrado em redes e sistemas organizados.

De que forma esse movimento se manifesta mais?

É uma nova forma de divisão do trabalho. É como dizer: fique em casa, trabalhe em coworking, seja mais livre. Mas é liberdade dentro de um quadrado. E, como se pode fazer muitas coisas dentro desse quadrado, não percebemos que, na verdade, é uma prisão. Portanto, há um verdadeiro problema de empobrecimento da iniciativa individual. Perdemos em liberdade o que ganhamos em eficiência. Dizem que é maravilhoso, que é mais rápido. Sim, mas o ser humano perdeu.

Quais as especificidades no Brasil nessa transformação, na comparação com outros países?

Há apenas uma especificidade, que é haver menos indústria. Há muita agricultura. Mas a tendência é a mesma. Sempre que apresentamos a individualização do trabalho como algo que traz mais liberdade, não explicamos que essa individualização se faz dentro de um contexto de racionalização. Essa é a verdadeira tragédia do capitalismo. Tudo o que está acontecendo, chamado de racionalização do trabalho pela tecnologia, na verdade é uma perda de autonomia. Porque todos estão, digamos, separados pelo computador. Todos se acham mais livres, mas para ele todos são, na verdade, dependentes.

Com a internet e avanços tecnológicos, como a inteligência artificial, o que mudou na comunicação?

Com os computadores e, hoje, com a internet, houve um progresso técnico. Significa que muito mais operações podem ser processadas em muito menos tempo. Em última análise, um trabalhador pode fazer mais coisas na mesma unidade de tempo. A falsa narrativa consiste em dizer que isso gera liberdade no trabalho. Não é porque alguém pode trabalhar a qualquer hora da noite que isso é um avanço humano. O ser humano tem necessidade de dormir, de ficar com os seus filhos, de sair. A questão mais complicada é: qual é o trabalho humano e qual é a felicidade no trabalho humano?

O que o senhor considera como progresso humano?

Fazer mais rápido a mesma coisa não é um progresso humano. Um progresso humano é quando as pessoas decidem o que querem fazer juntas, como vão dividir e organizar o trabalho. Se queremos o progresso no trabalho, é preciso trabalhar sobre a divisão do trabalho, sobre a organização do trabalho, sobre as condições do trabalho, sobre as propostas dos próprios trabalhadores, sobre as negociações entre as direções. Senão, será uma espécie de tirania silenciosa com trabalho 24 horas por dia.

Como essas mudanças afetam o jornalismo e a educação?

Os jornalistas são os primeiros afetados. Vai se dizer que não há necessidade de jornalistas, porque todo mundo tem todas as informações por conta própria. Então, cada um vai se tornar um jornalista, o que é estúpido. Aos professores se dirá que não vale a pena dar aulas o tempo todo, que basta fazer videoconferências. Cada um fica na sua casa e não teremos mais do que 10% do curso juntos. E todas as atividades serão assim. Nós iremos dessocializar os indivíduos e vamos remetê-los aos parques tecnológicos. E vamos chamar esses parques tecnológicos de socialização. É uma mentira.

? Mercosul e União Europeia anunciaram um acordo de livre comércio. De que forma isso pode incrementar a comunicação entre os blocos?

Mesmo que os mexicanos ou os brasileiros estejam muito felizes, isso não é tão bom para eles. E tampouco é bom para os europeus. Nós não teremos sucesso na agricultura mundial se ficarmos uns contra os outros. A solução é desenvolver uma agricultura que seja muito mais ecológica. E nesse aspecto, a Europa está evidentemente à frente. Como resultado, há um conflito entre a Europa e o Sul, e isso é um problema. É preciso renegociar, o que é terrível no mundo da comunicação.

Se a comunicação envolve compartilhar, negociar e conviver, como é possível se comunicar dentro de uma realidade de polarização e bolhas sociais? Se queremos uma boa comunicação e uma boa negociação, isso leva tempo. E o capitalismo detesta o tempo, ele quer velocidade para especulação. Essa é a batalha.

Como evitar que essa segmentação da sociedade aumente? Ou, se não for possível evitar, como lidar com ela?

Posso estar enganado, mas penso que segmentação é a questão mais grave, politicamente, do século 21. Com os recursos tecnológicos, com o modo de vida, tudo caminha para a singularização e a segmentação. E todo mundo acha que isso é formidável. Acho que a principal ameaça que temos nos países ricos - e que não há nos países pobres, porque nos países pobres há uma solidariedade familiar e agrícola - é a segmentação das sociedades, na qual todos adoecem nas suas interações. Li uma frase há 30 anos que repito o tempo todo, porque chama a atenção para a solidão das pessoas interativas: todo mundo está sozinho, mas existe a interatividade. Então, precisamos reconstruir totalmente o coletivo. A sociedade é a mistura de todo mundo e a invenção da política para se criar uma forma de coabitar.  

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