sexta-feira, 20 de dezembro de 2024



20 de Dezembro de 2024
EFEITOS DO CÂMBIO

EFEITOS DO CÂMBIO

Aumento do dólar espraia pressão sobre alimentos, importados etc

Desvalorização do real afeta as estruturas de custos e de preços de produtos usados no dia a dia pelas famílias e pelas empresas. Impacto tende a ser o encarecimento de mercadorias, reduzindo o poder de compra da população brasileira

Anderson Aires

A guinada recente do dólar, que estacionou na casa dos R$ 6, acende um alerta sobre o orçamento das famílias e pode afetar os planos das empresas no país. Com a alta da moeda americana, itens consumidos na rotina dos brasileiros tendem a subir de preço diante do aumento de custos na produção e importação.

O efeito é espalhado e pode ir desde gasolina, pão e café mais caros até dificuldade para concretizar viagens internacionais.

- É uma questão que pode ganhar cada vez mais impulso à medida que o câmbio vem batendo novos recordes e se consolidando em patamar cada vez mais alto. À medida que o tempo passa, as transações comerciais vão acontecendo a uma nova taxa de câmbio e isso vai sendo repassado gradualmente para os preços - aponta o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Na prática, o dólar mais alto costuma ter um primeiro efeito na produção. Em seguida, com a necessidade de repassar parte do aumento de custos, os consumidores enfrentam valores mais altos no varejo. Com isso, a inflação segue persistente. _

Peso no bolso

Os diversos efeitos da alta do dólar sobre a economia brasileira

Combustíveis

A gasolina e outros combustíveis, como o diesel, podem sofrer impacto nos preços, porque parte da composição do valor desses itens está ligada ao dólar. Reajustes mais robustos dependem de ações da Petrobras nos preços de venda para as distribuidoras, o que não foi sinalizado até agora.

Mas o dólar mais alto já afeta os preços dos combustíveis em alguns postos, segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Rio Grande do Sul (Sulpetro), João Carlos Dal?Aqua. Mesmo que em menor grau, isso ocorre porque as distribuidoras compram insumos importados para venda de combustíveis, que são majorados pelo câmbio na situação atual.

Alimentos

Como parte dos insumos usados na produção de alimentos são dolarizados, a alta da moeda americana puxa os custos para cima. Com isso, parcela desse reajuste passa para os consumidores.

André Braz afirma que derivados do trigo (usado para pães e massas), soja, café, carnes bovinas e azeite estão entre os alimentos que podem sofrer altas de maneira mais rápida. Opções tradicionais da ceia das festas de fim de ano também entram nesse rol, segundo o economista.

Na parte das carnes, a economista e professora da Unisinos Raquel Pereira Pontes afirma que produtos que dependem de ração produzida com grãos importados também podem apresentar reajustes, porque o custo desses insumos acompanha a desvalorização cambial.

Setores

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, afirma que o aumento nos custos de produção, seja na agropecuária ou na indústria, é um dos primeiros efeitos do dólar subindo.

-A primeira batida, via de regra, vem pela via do atacado e da produção. Depois isso termina chegando no consumidor. E aí, claro, ao nível do consumidor, chegam direto aqueles produtos que a gente importa de maneira direta, produtos importados evidentemente que vão ficar mais caros mais rápido - pontua.

Especialistas apontam que setores com força na exportação, como alguns ramos da agropecuária, podem ser favorecidos em parte pela alta do dólar. Mas isso pode ser afetado negativamente em outra ponta pelo aumento de custos.

Já ramos que tem parte de sua cadeia de produção baseada na importação, como o de fertilizantes e parte do setor de autopeças, podem enfrentar dificuldades de competitividade.

Importados

Bens como eletrônicos e eletrodomésticos ficam mais caros diante do peso dos custos de importação, segundo a professora da Unisinos Raquel Pereira Pontes:

- A alta do dólar impacta diretamente a importação de componentes e itens acabados, elevando os preços de celulares, televisores, computadores e eletroportáteis. Mesmo os produtos montados localmente costumam ter, em sua cadeia de produção, um percentual significativo de peças trazidas de fora do país.

Além disso, alguns alimentos produzidos no Exterior, como rótulos de vinhos, também ficam mais caros com o real desvalorizado ante o real.

Veículos

A professora Raquel Pereira Pontes afirma que a indústria automobilística também é influenciada pelo dólar. Como grande parte dos componentes e insumos são importados, os custos de produção do setor sobem, segundo a especialista.

- Isso pode encarecer não apenas o preço dos carros novos, mas também impactar peças de reposição e serviços de manutenção, refletindo-se posteriormente no mercado de usados - destaca a economista.

Turismo

Com real perdendo força ante o dólar, o poder de compra dos brasileiros no Exterior diminui e os gastos totais na viagem aumentam, segundo a professora da Unisinos. A composição de custos desse serviço sobem diante desse cenário, diz.

- Destinos internacionais ficam mais caros, já que passagens aéreas, hospedagem, alimentação e atrações muitas vezes têm custos atrelados à moeda americana. Já quem adquiriu pacotes antecipadamente percebe o peso do câmbio principalmente nas despesas extras e ao usar cartões de crédito - comenta a especialista.

Já o turismo doméstico tende a ganhar força, segundo a economista. Isso ocorre porque os destinos locais ficam mais atraentes e dentro do bolso.

Recuo no dia após leilões

O dólar comercial fechou ontem em queda de 2,32%, a R$ 6,122, após injeção de US$ 8 bilhões em dois leilões por parte do Banco Central.Foi a maior intervenção diária à vista da série histórica, iniciada em 1999, quando o país adotou regime de câmbio flutuante.

O diretor de Política Monetária do Banco Central e próximo presidente da instituição, Gabriel Galípolo, disse ontem que a ideia de um ataque especulativo contra o real como movimento coordenado não explica bem a situação do câmbio neste momento.

- Acho que não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada, andando em um único sentido - afirmou.

O Banco Central estimou em Relatório Trimestral de Inflação divulgado ontem que a probabilidade de a inflação ultrapassar o limite superior do intervalo de tolerância da meta está perto de 100% em 2024, ante projeção anterior de 36%. No acumulado de 12 meses encerrado em novembro, o IPCA soma alta de 4,87%. O teto da meta é 4,5%.

Conforme o IBGE, para o índice fechar o ano com alta acumulada de 4,5%, o IPCA mensal em dezembro teria que avançar no máximo 0,20% - o resultado será divulgado em janeiro. 

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