sábado, 7 de dezembro de 2024



07 de Dezembro de 2024
COM A PALAVRA - Ann Berger Valente

COM A PALAVRA

"Tecnologia pode ajudar muito no processo de ensino e aprendizagem"

A norte-americana Ann Berger Valente, 67 anos, é educadora e pesquisadora da tecnologia digital como ferramenta de expansão das oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento do potencial individual. Em passagem pela Capital, ela conversou com Zero Hora sobre o tema.

Fernanda Polo - Gerente de Pesquisa Educacional no Lifelong Kindergarten Group (MIT Media Lab) e integrante da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa

Como ser mais criativo na educação para reter a atenção dos alunos em meio a tantos apelos tecnológicos?

A tecnologia pode ajudar muito no processo de ensino e aprendizagem, mas não são todas as tecnologias que fazem uma mudança de postura de poder entre professor e aluno - na qual o professor é detentor das informações, e o aluno, receptor. Há tecnologias, como a lousa digital, que não mudam nada em termos dessa relação. É uma tecnologia extremamente cara. 

Você ainda tem o professor na frente da sala passando as informações para as crianças, e as crianças recebendo. Gostamos muito de usar a tecnologia onde a criança pode interagir com esse meio, se expressar. Isso também é muito diferente de ficar vendo o feed do TikTok ou do Instagram. É a mesma coisa: você está recebendo essas informações, não acrescentando muito, porque tem muita porcaria, e, além de tudo, há todos os problemas de alienação, comparação com o outro e bullying. 

Mas se você usar a tecnologia para expressar, para criar um projeto, para programar o computador, dar ordens para o computador, aí você tem uma relação de ter uma ideia, testar a ideia, ver o resultado. E esse resultado é fiel, porque o computador não acrescenta nada além do que você fala para ele. Esse processo é uma depuração muito eficiente das suas ideias. E pode ser sobre assuntos que você não podia explorar no mundo físico. Pode ter simulações, ser sobre relações sistêmicas de diferentes forças. Quando você começa a explorar essas relações por meio do computador, você tem a possibilidade de usar as simbologias e as anotações para isso, que você não teria decorando algoritmos na lousa.

A tecnologia pode ter um impacto positivo na aprendizagem, então?

Pode ser um impacto negativo do lado socioemocional, com certeza. A gente está vendo muito isso nos adolescentes e tudo mais. Mas na aprendizagem, eu acho que tem muito potencial para explorar novas tecnologias, novos conhecimentos, novas maneiras de se expressar.

Pode fornecer exemplos?

Tem vários exemplos nos quais a tecnologia é usada para fazer um projeto sobre algum ambiente do nosso meio. Pode ser a nossa escola, nossa cidade, algo menor. E as crianças, juntas, começam a construir, vamos supor, a escola que a gente quer. Teve um projeto muito lindo em São Paulo sobre isso. Foram construindo os prédios, o que seria essa escola no futuro, usando sucata, para uma espécie de maquete, mas, aí, introduzindo motores, placas solares, alavancas e programando todos esses elementos usando linguagem de programação. 

Então, você está aprendendo uma série de conhecimentos de engenharia, de matemática e, ao mesmo tempo, fazendo uma expressão, uma avaliação crítica do seu entorno. Esses projetos são fantásticos e é uma construção coletiva de uma sala, de um grupo.

O que é a aprendizagem criativa?

É uma abordagem pedagógica baseada nas ideias do construcionismo, que tem suas bases na pesquisa do Seymour Papert, no Massachusetts Institute of Technology (MIT). O construcionismo propõe que a criança aprende por meio de construir coisas. Em vez de ser ensinado por meio de repetição, reforço, memorização, a criança vai criando hipóteses e testando essas hipóteses. Se dá certo, então vai avançando. Se não, preciso repensar o que eu estava pensando. Isso é muito parecido com as ideias de Jean Piaget, que desenvolveu a ideia de construtivismo. É toda uma teoria pedagógica. 

O Seymour Papert veio em cima desse construtivismo, no construcionismo, no sentido que a criança aprende por meio desse processo de testar. Eles chamam de assimilação de novas combinações, mas por meio de construir coisas. Ao construir um objeto, seja um robô, um castelo de areia, um poema, um teatro, eu vou colocando as minhas ideias para fora. Ao externalizar as ideias, eu posso olhar para aquilo e perguntar: era isso que eu imaginava? Também outra pessoa pode olhar e dizer: você estava pensando assim, mas olha aqui. Aí você pode ajustar.

Como os professores brasileiros podem implementar a aprendizagem criativa na prática, na sala de aula?

É só querer. Tem vários eventos acontecendo no Brasil inteiro. Nós temos o portal da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (aprendizagemcriativa.org), que tem uma série de ideias, de atividades, materiais e planos de aula. Então, tem uma série de atividades já prontas, que podem ser usadas, adaptadas, misturadas. Também tem todo o material de formação sobre todos os aspectos da aprendizagem criativa. Porém, a gente acha que a aprendizagem é muito sobre pessoa com pessoa. Então, a rede é um movimento social de pessoas, professores que já compraram essa ideia, já vivem essa ideia. Acreditamos que um professor "contamina" o outro.

No Brasil, há uma discussão sobre proibir o celular nas escolas. Qual é a sua opinião?

Você tem de desenvolver o letramento digital para poder ser um usuário sensato. Se você proibir, você deixa de aproveitar a oportunidade de fazer uma aprendizagem monitorada, poder discutir sobre o que é esse conteúdo com colegas, com o professor. Se você banir, então ele vai pegar o celular depois e vai fazer o uso da forma mais banal. Agora, na sala de aula, o celular compete muito com o professor que está dando aula na lousa. 

Acho que é um sinal que tem de mudar um pouco o nosso método de ensino. Mas, por outro lado, quando você vê as crianças sentadas no pátio, cada uma no seu celular, sem ser interagindo, você também está perdendo uma oportunidade de socialização, de atividade física, de uma série de outras coisas. Então, eu acho que tem de ser usado de uma forma sensata, moderada, com finalidades apropriadas, porque tem muito potencial da tecnologia e do próprio celular. 

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