Respostas capitais
Tony Volpon - Diretor do Banco Central entre 2015 e 2017, hoje é professor adjunto na Georgetown University, em Washington, Estados Unidos
"Os três poderes têm responsabilidade por esse buraco que foi cavado"
Diretor do BC em fase conturbada, Volpon assumiu quando o juro foi de 7,25% para 14,25% ao ano em poucos meses. Depois, veio uma severa recessão. Quem viu algo parecido com um choque de juro por dentro diz que recessão não é risco real e imediato agora, mas está no mapa das possibilidades.
Tivemos choque de juro?
Sim, pelo tamanho do movimento em relação à base, são três pontos percentuais sobre 11%, quase 30% de aumento. Embora o mercado precificasse 14% a 15%, não era com essa velocidade anunciada pelo BC. Na minha avaliação, também é uma tentativa de aliviar a barra do (Gabriel) Galípolo (futuro presidente do BC). As próximas duas reuniões com ele na presidência já vão estar decididas, não terá muito a discutir.
Por que um choque desse tamanho não segurou o dólar?
Tem um contexto internacional, não depende só do que o BC faz. O mercado olha para a relação dívida/PIB (proporção entre os dois valores) e vê que pode caminhar para um ponto percebido como insustentável. Já existem projeções em que essa relação pode chegar a 100%.
O que pode acontecer?
Há duas maneiras de resolver. Ou faz o ajuste fiscal, reduzindo a dívida, ou o numerador dessa equação, ou admite mais inflação, que engorda o denominador (o PIB, no caso). A opção via inflação ocorreu na pandemia. Houve explosão de gastos seguido de surto inflacionário em 2021 e 2022. A inflação subiu muito e ficou acima do juro que o título do governo estava pagando. Os detentores dos títulos de renda fixa perderam dinheiro, mas ajudou a reduzir o endividamento.
? Pode ocorrer de novo?
O governo ficou meses discutindo um pacote que enfim daria sustentação ao arcabouço fiscal, mas a montanha pariu um rato. Não resolve e ainda deve ser diluído pelo Congresso. O governo está mais ou menos dizendo ?bom, vai para a opção B, que é a inflação?. O mercado vê essa probabilidade e quer se antecipar à perda, exigindo um prêmio. Aí os juros de mercado sobem. Mas só serão pagos se a Selic subir. Se não quiserem assumir o risco, podem vender títulos do governo e comprar dólar. Para evitar que isso ocorra, o BC tem de ratificar essa precificação, levar a Selic para 14,25%. Ajuda a segurar o dinheiro dentro do sistema financeiro nacional e evita fuga de capitais, que poderia levar o dólar para R$ 7 ou R$ 8.
Isso é possível?
É só colocar um irresponsável no BC. Foi uma boa decisão. Esse movimento do BC não tem a ver com combater a inflação. Entra em situação de excepcionalidade da política monetária, para garantir a estabilidade financeira. Uma taxa desse tamanho é insustentável ao longo do tempo. Se mantida, aumenta a dívida (boa parte é indexada à Selic) e vai piorar o fiscal. A política monetária está comprando tempo para vir alguma solução. Talvez, no próximo ano, se não houver ajuste fiscal duradouro, não haverá nível de juro suficiente para garantir estabilidade financeira, poderia ocorrer a tão temida dominância fiscal. Aí sim, acabou o jogo. Pode colocar a Selic em 20% que não resolve nada.
Você viveu uma situação parecida em sua passagem pelo BC?
Não vejo como choque de juro, foi um processo. Quando o juro sobe, ninguém é seu amigo. Há uma mitologia de que o setor financeiro gosta de juro alto, mas não faz sentido. O setor de investimentos tem sido dizimado pelo juro alto, há várias gestoras fechando. Por que uma pessoa vai dar dinheiro para um gestor se coloca no CDB e ganha o juro praticado hoje?
Há risco de que o choque atual resulte em recessão?
Se não houver crise aguda, esse juro vai estrangular empresas. Não faço previsões, só mapeio possibilidades. E é possível que chegue um momento, com esse juro e a perspectiva de seis anos adicionais, em que se desate uma recessão.
Governo faz diferença, com o Congresso cobrando liberação de emendas para aprovar cortes?
Os três poderes têm responsabilidade por esse buraco que foi cavado e pela falta de perspectiva de solução. Mas o Brasil tem regime presidencial, a direção tem de vir do Executivo. Quem tem de dar a direção é o presidente da República. _
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