sábado, 7 de dezembro de 2024


07 de Dezembro de 2024
MARCELO RECH

Emendas fazem mal à política

Toda essa aborrecida discussão sobre o montante das emendas parlamentares oculta um problemão que é o retrato do Brasil mais atrasado: com que direito os congressistas se adonam de uma fatia cada mais relevante dos impostos pagos pelos contribuintes e a distribuem a bel-prazer? Qual a lógica para que deputados e senadores, eleitos para legislar, passem a agir como governos, determinando a aplicação prática de R$ 186 bilhões entre 2019 e 2024? E que justificativa tem o Congresso, como ocorre no caso do pacote de contenção de gastos, para chantagear o Executivo na votação de algo de interesse vital para o país porque um ministro do STF estabeleceu um regramento sobre o carnaval das emendas?

Fosse só uma questão de usurpação de funções de um poder pelo outro, já seria grave. Mas, como todo mundo passou a mexer no queijo dos outros, naturalizou-se a noção de que deputados e senadores devem não só lutar por mais verbas para suas bases eleitorais, mas eles próprios devem conduzir o repasse, no velho e nocivo clientelismo que grassa por aqui desde o Brasil Colônia.

Diante de uma imensidão de carências, é compreensível a ansiedade de prefeitos e líderes comunitários que percorrem gabinetes parlamentares em busca de emendas para atender a demandas locais. E também se entende que, uma vez disponível a bijuja, seria pedir demais a um deputado ou senador que rejeitasse a hipótese de destinar o recurso para a sua base. Nem quem pede nem quem repassa são culpados por uma prática que apequena a política e reforça os currais eleitorais.

O erro está no modelo perverso. Como ficou claro nas eleições de 2020 e 2022, candidatos que despejam dinheiro de emendas têm muito mais chances de se eleger do que quem se candidata pela primeira vez, sem a bolsa gorda dos impostos. Ou seja, além de tudo, as emendas sabotam o equilíbrio entre candidaturas e, portanto, corroem a própria democracia.

Ao ser um atalho para reeleições em série, a farra das emendas produziu uma droga política altamente aditiva. Seu usuário precisa cada vez mais de recursos, e sua abstinência pode lhe custar a carreira. Por isso, o empenho desesperado de Câmara e Senado em manter o fluxo constante e crescente da droga eleitoral. Se essa disfunção estancasse no aprisionamento de governos com cada vez menos poder de governar, já seria muito ruim, mas é pior. Quando uma emenda vai para uma estrada ou hospital, até se entende. É provável que fosse necessário. Mas e quando 26 emendas injetam mais de R$ 90 milhões nos últimos três anos em uma empresa de competições de jogos eletrônicos de Goiás, como noticiou essa semana a Folha de S.Paulo? Tire suas conclusões. _

MARCELO RECH

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