14 de Dezembro de 2024
CARPINEJAR
O medo de morrer
Eu me dei conta de que não tinha medo de morrer. Até ter a minha filha. Ali, no nascimento de Mariana, ao invés de me sentir todo-poderoso e infalível, veio à tona uma fragilidade insondável. Uma vulnerabilidade inconcebível.
O medo da morte nasce com o filho, no mesmo instante do parto. Anteriormente, eu não me via finito, sequer pensava em longevidade. Não é assim que funcionam misteriosamente a paternidade e a maternidade?
Antes do filho, você sabia se virar sozinho, não possuía nenhuma responsabilidade direta com alguma existência, arriscava-se à vontade, cometia excessos, aventurava-se no desconhecido, sem prestar satisfação a ninguém ou recear a imprevisibilidade.
Voltava para casa quando queria e como queria. Sua liberdade se avizinhava da inconsequência. Era adepto da adrenalina da ocasião, da intensidade do presente, dos acasos emendados.
O futuro não assustava. Não dava a mínima para a posteridade.
Sua criança vem ao mundo e sua conduta se altera drasticamente. Sua eventual ausência, a partir desse momento, começa a preocupá-lo. É acionada uma contagem regressiva em suas células.
Você se protege a partir do filho. Resguarda-se mais, previne-se mais, modera as suas atitudes, não compra tantas brigas, evita discussões, silencia diante de desaforos.
Seu sangue quente esfria, e você se distancia da costumeira passionalidade das decisões. Passa a fazer exames de saúde, a frequentar academia, a realizar exercícios, a aprimorar a dieta. Você se mantém sadio para durar, despede-se dos vícios e da compulsão. Não aceita qualquer convite, torna-se seletivo e exigente.
Pois agora só existe uma meta: acompanhar o máximo possível o crescimento do filho. Deseja estar para sempre ao lado dele, degustar passo a passo de sua formação.
Morrer cedo seria o equivalente a sacrificar o melhor período de seu novo papel. Não admite perder nada, nenhum grande espetáculo cotidiano do álbum de fotografias de seu rebento.
Você já se imagina buscando-o na creche e na escola, torcendo nas arquibancadas de um ginásio, comemorando o seu ingresso na universidade, compondo plateia nas colações e formaturas, incentivando os namoros, palpitando nas amizades, recomendando viagens, partilhando as descobertas de cada fase.
O umbigo troca de lugar. Surge uma outra régua para sobreviver. Tanto que seu envelhecimento - o tempo voando - não se mede mais pelo rosto no espelho, ou pelas rugas e fios grisalhos, e sim pelas roupas cada vez maiores do filho.
A metamorfose pode soar apressadamente como uma covardia, já que você não desfruta da disponibilidade para sair a qualquer hora, ou uma retração aos amigos próximos, já que se recolheu do convívio social.
Mas, pelo contrário, esse medo traz uma coragem que nunca havia experimentado ao longo do seu percurso de provações. Você é capaz de fazer qualquer loucura pela segurança do filho, inclusive se cuidar. A diferença é que, pela primeira vez, a sua mentalidade não é egoísta.
Inventa de concretizar tudo o que adiou no trabalho e nos relacionamentos para corresponder às expectativas de tutor. Nem se reconhece, tamanha a convicção para se preservar. Nem acredita que um dia já se achou pronto e autossuficiente.
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