sábado, 28 de dezembro de 2024



28 de Dezembro de 2024
EM FOCO

EM FOCO

Apurações no Ministério Público Eleitoral que podem levar à cassação de políticos eleitos em outubro cresceram 25% na comparação com o pleito de 2020. Denúncias incluem compra de votos por meio de Pix e até distribuição de gasolina

Investigações de corrupção eleitoral disparam no Estado

Gabriel Jacobsen

A compra de votos é prática recorrente no Rio Grande do Sul, a julgar pelo volume de relatos desse tipo protocolados na Justiça Eleitoral e investigações abertas pelo Ministério Público Eleitoral (MP) e Polícia Federal (PF). Moradores de diferentes cidades procuraram também o Grupo de Investigação da RBS (GDI), que reúne, nesta reportagem, mensagens de políticos prometendo dinheiro a eleitores e gravações com pessoas que dizem ter apoiado candidatos em troca de favores.

As promessas envolvem dinheiro, combustível para veículo, vagas hospitalares e até doação de animais para festas. Conforme a lei, os dois lados dessas negociações estão sujeitos a processos judiciais. Os suspeitos são investigados por captação ilícita de sufrágio (também chamado corrupção eleitoral), enquadrado no artigo 299 do Código Eleitoral, que prevê reclusão de até quatro anos e pagamento de multa a quem "dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita". Além disso, quem compra votos pode ser punido também com cassação e inelegibilidade por oito anos.

O número de investigações do Ministério Público Eleitoral que podem levar à cassação de eleitos cresceu 25% este ano, em relação ao pleito de 2020. Até o momento, são contabilizadas 411 ações para anular eleições de políticos ocorridas em 2024, movidas pela instituição ou por políticos adversários do suposto infrator.

Ainda que sejam maioria, nem todos os processos são por compra de votos - há também abuso de poder econômico e outras irregularidades.

Na Polícia Federal, aumentaram todos os indicadores: de inquéritos, indiciados, operações policiais e prisões, conforme números da Divisão de Repressão a Crimes Eleitorais.

Na Justiça

Cresceu também o número de ações de investigação judicial eleitoral - tipo de processo que pode levar à cassação do eleito e inelegibilidade dele por oito anos.

- Uma das grandes novidades em 2024 é que, havendo cassação do prefeito eleito, não há mais posse do segundo colocado. É preciso realizar nova eleição - ressalta o promotor Rodrigo López Zilio, coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral (Gael).

As estatísticas de processos judiciais fornecidos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) abrangem compra de votos, abuso de poder econômico e similares. Uma das hipóteses para o crescimento da demanda judicial é que 2020 foi ano de pandemia e escassa campanha eleitoral nas ruas.

O GDI apurou casos de compra de votos em várias regiões do Estado. Confira, na página ao lado, alguns desses relatos. Os nomes dos eleitores serão preservados. _

Investigações abertas pela Polícia Federal

2020 2024

Inquéritos 186 208

Indiciados 9 76

Prisões em flagrante 1 6

Prisões preventivas ou temporárias 0 9

Operações policiais 0 8

Investigações abertas pelo Ministério Público Eleitoral

2020 327

2024 411

Ações analisadas pela Justiça Eleitoral

2020 158

2024 167

Fontes: MPE, PF e TRE-RS

Confira alguns casos

Situações que estão sob apuração ocorreram em várias regiões

candidato seria financiado pelo contrabando

Dois dias antes das eleições deste ano, a Polícia Federal (PF) desencadeou a Operação Los Intocables, para investigar delitos de corrupção eleitoral e falsidade ideológica eleitoral (caixa 2) em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste. Policiais federais cumpriram três mandados de busca e apreensão na residência e no comitê de um candidato a vereador, além de um posto de combustíveis. Ele teria distribuído gasolina por meio de vales, às vésperas da votação de 6 de outubro.

A investigação teve início a partir de informações de que o candidato estaria realizando doações a moradores, em troca de votos. Há suspeita de que ele seja financiado por contrabandistas. A PF diz que identificou "a atuação ativa e permanente de indivíduos com vasto histórico criminal na campanha do candidato investigado, inclusive por meio de doações em dinheiro".

A PF acrescenta ainda que há indícios de que o custeio do combustível doado teria sido proveniente de uma contabilidade paralela de campanha, com provável origem em crimes. A investigação foi repassada ao Ministério Público Eleitoral, com o fim de avaliar possível abuso de poder econômico, o que poderá ocasionar a cassação do registro do candidato.

O vereador alvo da operação é Cleber Custódio (PDT), eleito em 2020 e que tentava a reeleição, mas não teve êxito. Ele é proprietário de uma marmoraria.

o que diz

A reportagem tentou contato com o vereador Cleber Custódio, mas não o localizou nos telefones que estão em seu nome.

Prefeito eleito é alvo de duas investigações

Em Arroio do Sal, no Litoral Norte, a suspeita de compra de votos recai sobre o prefeito eleito Luciano Pinto da Silva (Republicanos) e um primo e cabo eleitoral dele, o contabilista Marcus Vinícius de Souza Viana. Foram abertas duas investigações, uma pelo Ministério Público e outra pela Polícia Federal (PF).

A reportagem contatou eleitores que apresentam supostos comprovantes de Pix, no valor de R$ 100, que teriam sido repassados por Viana. Uma das que admitem ter vendido o voto é uma adolescente de 16 anos. Ela diz que soube que pagavam por eleitor e mandou mensagem ao próprio candidato. Luciano teria pedido a ela que falasse com Viana. - Não deu nem dois minutos e Marcus (Viana) me ligou. Perguntou quantos eleitores tinha na casa e depois pediu minha chave Pix - disse.

Outra eleitora, de 20 anos, também afirma que recebeu ligação de Viana, após mandar mensagem a ele avisando que votaria em quem lhe ajudasse. - Escrevi que não tinha em quem votar e que meu marido e eu iríamos votar em quem nos ajudasse. Aí ele me ligou, confirmou, pegou meu Pix e mandou R$ 100 - relata.

Outra eleitora disse ter mandado mensagem direto ao candidato a prefeito: "Tô indo ver com minha família. É 10. E vamos lutar para dar certo". O número que seria de Luciano, então, responde: "Já foi feito. 100".

O que dizEM

O advogado de Luciano, Vanir de Mattos, diz que não tem receio nenhum de que seu cliente seja condenado: - É um movimento político dos adversários do Luciano. Não há absolutamente nada que comprometa ele.

O advogado de Viana, Sérgio Teixeira, diz que a quebra de sigilo vai comprovar que não houve compra de votos: - Os alegados Pix são para pessoal que trabalhou na campanha ou prestadores de serviço. A nossa prova é muito mais robusta que a dos que acusam.

"EM TODAS AS ELEIÇÕES É ASSIM AQUI"

Em Caraá, também no Litoral Norte, mais de 20 pessoas declaram ter vendido apoio nas urnas para o vereador mais votado, Fabiano Santos (Republicanos). Os depoimentos constam em inquérito aberto pela Divisão de Repressão a Crimes Eleitorais da Polícia Federal (PF), que investiga suspeita de corrupção eleitoral. O político também é alvo de pedido de cassação por parte do Ministério Público.

Santos é servidor público municipal e trabalha com operação de máquinas. Conforme depoimentos de eleitores à PF, ele teria prometido ajuda por meio de máquinas pertencentes a um familiar (para consertar estradas) e saibro. Há ainda indícios de que ele teria pago por votos em transferências via Pix.

O GDI obteve cópias de diálogos por WhatsApp entre moradores de Caraá e o político. Em uma das conversas, uma eleitora se oferece para conseguir dois votos (dela e de uma amiga), desde que ele consiga ajuda.

Santos pergunta "Quanto?" e ela responde "300" para ela. O candidato baixa a oferta para R$ 300 pelos dois votos, e ela aceita. Depois exibe o Pix recebido em nome dele. A reportagem conversou com a eleitora, que confirma ter recebido o dinheiro do vereador. - Eu sou uma dos mais de 40 que foram prestar depoimento, confirmando que venderam voto. Em dinheiro e material para casa - admite.

Outra eleitora, dona de casa, diz que recebeu R$ 150 via Pix. Afirma que escutou comentários de que Santos estava pagando por voto. Uma amiga teria recebido e repassado a ela. - Pobre precisa de dinheiro, né. Aqui sempre deu compra de voto. Em todas as eleições é assim. Não tem risco de eu ser presa, né? Porque aí vai precisar de um ônibus para levar essa cambada de gente, pelo amor de Deus - justifica.

O que diz

Procurado pela reportagem, Fabiano Santos informou que foi aconselhado pelos advogados a não se manifestar ou comentar o processo.

Eleitor pediu R$ 350 por 10 votos

A Justiça Eleitoral investiga suspeitas de que o vice-prefeito eleito de Veranópolis, na Serra, João Guilherme Mazetto (PSD), comprou votos no fim de agosto, durante a segunda semana da campanha. A ação, movida pela chapa derrotada, se baseia em trocas de mensagens pelo WhatsApp nas quais o suposto negócio é acertado e em dois comprovantes de transferência Pix que estariam relacionados ao crime.

Os indícios anexados na ação de investigação apontam que, em um primeiro momento, um eleitor procurou Mazetto e pediu dinheiro em troca de votos, mas ele sugeriu que procurasse Moisés Pertile, então coordenador da campanha e presidente municipal do PSD. Conforme os diálogos, Pertile teria acertado com o eleitor a compra de sete votos pelo valor de R$ 200. "Boa noite, Moisa (Moisés Pertile). Tudo certo. Tava falando cm Mazetto. E ele mandou fala cntg cara tenho 7 voto garantido (...) Eu pedi pra ele me arruma 200 pila pra coloca gasolina. Cm eu preciso d ajuda de vcs e cm vcs precisam da minha família pra apoia vcs", escreve o eleitor, que nas mensagens seguintes já encaminha a sua chave Pix.

A resposta de Pertile, conforme diálogos de Whatsapp extraídos pela PF, sugere concordância com o negócio: "Olá. Sim. Farei o Pix."

A conversa seguiu e o eleitor indicou que precisava de R$ 350, sugerindo conseguir, em troca, 10 votos para a chapa de Mazetto. "Já mando os outros 150", acrescenta o número atribuído a Pertile.

O QUE DIZEM

A defesa de João Guilherme Mazetto e Moisés Pertile afirma que não houve compra de votos e que as duas transferências por Pix se referem a doações motivadas por "solidariedade". - Nós entendemos que isso tem mais a ver com solidariedade, piedade e comoção do que com uma má-fé. Não vejo (na conversa) o objetivo de comprar votos daquela pessoa (o eleitor). Sobretudo porque a questão eleitoral surge depois (no diálogo) - argumenta Rafael Morgental, advogado que representa os dois acusados.

Facção teria apoiado campanha

Em São Borja, na Fronteira Oeste, a Polícia Federal (PF) investiga suposta interferência de uma facção criminosa nas eleições municipais. A apuração, com o MP, identificou apoio material e financeiro de pessoas ligadas ao grupo criminoso a um candidato a vereador do município. Às vésperas das eleições de 6 de outubro, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, além do afastamento de sigilo de dados dos suspeitos.

O investigado é Celso Andrade Lopes (PDT), vereador que não conseguiu se reeleger, mas ficou como suplente. O MP move ação contra ele por abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio (compra de voto). Dono de restaurante e hotel, o político teria feito distribuição de material de construção, de próteses dentárias, de dinheiro e de cestas básicas em troca de votos. Teria usado também cabos eleitorais não declarados.

A representação do Ministério Público fala explicitamente em vínculo com a organização criminosa de atuação dominante na Fronteira Oeste. A investigação aponta que a quadrilha teria captado votos em troca de cestas básicas e financiamento ilícito de gastos de campanha de Lopes.

O promotor Valmor Junior Cella Piazza, de São Borja, pede a cassação da diplomação de Lopes e sua inelegibilidade, além de multa.

O que diz

Procurado, Celso Lopes alegou: - Fico grato pela oportunidade de me defender, mas fui aconselhado pelos advogados a não me manifestar. Nem fomos citados no processo ainda, mas vamos nos defender. 

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