sábado, 3 de agosto de 2013


04 de agosto de 2013 | N° 17512
FABRÍCIO CARPINEJAR

Eu sou o melhor no que faço, mas o que faço não é nada bonito

Meu pai me chama de Wolverine. É o nosso apelido secreto.

Não tenho o queixo quadrado e a baixa estatura do desenho da Marvel Comics. Muito menos a suíça e o cabelo alvoroçado do ator Hugh Jackman, que interpreta o herói no cinema. A referência física não contribui para nossas semelhanças.

Ele me compara ao personagem pelo meu alto poder de cicatrização. Eu me desespero e logo ressuscito, eu caio e logo levanto.

Não morro de uma única vez. Não desisto. Não me entrego mesmo que não veja a saída. Quando não há porta, eu espero no escuro até ser a porta.

A ansiedade que me enerva acaba por aumentar minha vontade de ver de novo a luz. Tenho fúria de viver.

Não há perda que seja total. Alguém pode me machucar terrivelmente, mas não me leva. Posso permanecer sequelado, mas sei cavar a terra por dentro da terra. Penso nos filhos, penso nos amigos, penso na literatura e sigo adiante. Cambalear ainda é caminhar. A chuva lava minha ferida e o vento seca.

A carne da memória se recompõe de algum jeito. Talvez seja um excesso de sofrimento na infância que me preparou para o pior no futuro.

Eu sobrevivi a tanta coisa.

Sobrevivi ao bullying na escola, ao pessoal me chamando de ET e monstro todo dia durante o ensino fundamental.

Sobrevivi à resistência dos médicos que juravam que tinha algum retardo mental.

Sobrevivi à desistência dos professores com meu desempenho.

Sobrevivi à traição de amigos.

Sobrevivi às drogas para ser aceito na roda dos adultos.

Sobrevivi à briga de rua.

Sobrevivi a uma tentativa de suicídio na adolescência.

Sobrevivi a enterros de jovens amigos.

Sobrevivi a três acidentes de carro.

Sobrevivi a três separações.

Sobrevivi ao vício do cigarro.

Sobrevivi a dois assaltos a mão armada.

Sobrevivi a várias demissões.

Sobrevivi ao distanciamento de meus dois irmãos amados.

Sobrevivi, vou sobreviver, mesmo que não acredite na hora.

Só não entendia onde meu pai enxergava as garras retráteis de Logan.

– E as garras das mãos, pai?


– São as palavras, meu filho. Você se defende com a linguagem ou se agarra nela para não morrer.

Nenhum comentário: