04
de agosto de 2013 | N° 17512
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Eu sou o melhor no que faço, mas o que
faço não é nada bonito
Meu
pai me chama de Wolverine. É o nosso apelido secreto.
Não
tenho o queixo quadrado e a baixa estatura do desenho da Marvel Comics. Muito
menos a suíça e o cabelo alvoroçado do ator Hugh Jackman, que interpreta o
herói no cinema. A referência física não contribui para nossas semelhanças.
Ele
me compara ao personagem pelo meu alto poder de cicatrização. Eu me desespero e
logo ressuscito, eu caio e logo levanto.
Não
morro de uma única vez. Não desisto. Não me entrego mesmo que não veja a saída.
Quando não há porta, eu espero no escuro até ser a porta.
A
ansiedade que me enerva acaba por aumentar minha vontade de ver de novo a luz.
Tenho fúria de viver.
Não
há perda que seja total. Alguém pode me machucar terrivelmente, mas não me
leva. Posso permanecer sequelado, mas sei cavar a terra por dentro da terra.
Penso nos filhos, penso nos amigos, penso na literatura e sigo adiante.
Cambalear ainda é caminhar. A chuva lava minha ferida e o vento seca.
A
carne da memória se recompõe de algum jeito. Talvez seja um excesso de
sofrimento na infância que me preparou para o pior no futuro.
Eu
sobrevivi a tanta coisa.
Sobrevivi
ao bullying na escola, ao pessoal me chamando de ET e monstro todo dia durante
o ensino fundamental.
Sobrevivi
à resistência dos médicos que juravam que tinha algum retardo mental.
Sobrevivi
à desistência dos professores com meu desempenho.
Sobrevivi
à traição de amigos.
Sobrevivi
às drogas para ser aceito na roda dos adultos.
Sobrevivi
à briga de rua.
Sobrevivi
a uma tentativa de suicídio na adolescência.
Sobrevivi
a enterros de jovens amigos.
Sobrevivi
a três acidentes de carro.
Sobrevivi
a três separações.
Sobrevivi
ao vício do cigarro.
Sobrevivi
a dois assaltos a mão armada.
Sobrevivi
a várias demissões.
Sobrevivi
ao distanciamento de meus dois irmãos amados.
Sobrevivi,
vou sobreviver, mesmo que não acredite na hora.
Só
não entendia onde meu pai enxergava as garras retráteis de Logan.
– E
as garras das mãos, pai?
–
São as palavras, meu filho. Você se defende com a linguagem ou se agarra nela
para não morrer.
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