sábado, 5 de julho de 2014


05 de julho de 2014 | N° 17850
CAROL BENSIMON

Procurando o Guaíba

Nunca morei na zona sul de Porto Alegre, mas meus amigos todos moravam lá. Naquele tempo, ainda não existiam os adesivos de orgulho escancarado, “Zona Sul é tudo de bom”. Para falar a verdade, acho que nem a expressão “tudo de bom” tinha sido inventada. Ok, não faz tanto tempo assim.

O Guaíba já era poluído e as distâncias não pareciam mais enormes, como na época em que as pessoas tinham casas de fim de semana em Ipanema. Vi fotos. Adoro essas fotos de coisas perdidas. Ao mesmo tempo, fico me perguntando onde a gente estava quando deixou os coliformes fecais tomarem conta desse que deveria ser o maior patrimônio natural da cidade.

Há muita coisa envolvendo o Guaíba que a gente simplesmente aceita com uma vergonhosa resignação. O fato de suas margens serem salpicadas de propriedades privadas é uma delas. Já levei muito turista pra ver o Guaíba a partir da Zona Sul, e inclua aí os turistas “de dentro”, pouco ou nada acostumados a esse lado da cidade. Passamos o Iberê Camargo.

Estamos buscando a água, queremos chegar pertinho, talvez sentar, ficar olhando para o horizonte como algum tipo de terapia grátis e eficaz. A caçada começa. Primeiro, uma escolinha de futebol. Depois, um clube de velas. A curva traz casas populares, e então mais um clube privado. Posso apontar para a rua e dizer “ali corre o Guaíba”, mas tudo é muito rápido, vago, um traço de água escondido entre muros ou grades.

Tudo bem, admito que há alguma diversão insana nessa busca. Porque de repente o Guaíba está lá, no fim de uma rua sem saída, nós descemos, ficamos naquele quadrado de capim alto, entre duas propriedades privadas, maravilhados, pensando que aquilo podia ser diferente, uma regra, não a exceção, que nós podíamos ser muitos, não apenas dois, com toalhas de piquenique, chimarrão, entusiasmo pela vida e por nossa cidade peculiar.

A questão é: no fim das contas, nós queremos tão pouco! E isso não é demérito nenhum. Estou apenas dizendo que é muito fácil nos satisfazer. Pegue como exemplo o projeto de revitalização do Cais do Porto: será que precisamos de uma torre de escritórios e de um shopping center (sim, o projeto prevê um shopping ao lado do Gasômetro), ou simplesmente de um livre acesso ao Guaíba, alguns bancos confortáveis, banheiros, um punhado de cafés?


Quando vou até a Vila Assunção, onde estão os restos do Timbuka, o lendário bar, tenho a comprovação de minha teoria. Não há banheiros, comércio, tudo é improvisado. No entanto, as pessoas estão lá. Elas nunca saíram de lá, o que não deixa de ser comovente. O Guaíba é delas, nosso, apesar de todos os esforços contrários. Que siga assim. Mas com bancos, píeres e grama aparada.

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