15 de julho de 2014 | N° 17860
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ROMANCE DOS PONTOS
Terceiro livro de ficção de Vitor Ramil: notícia excelente
em si. Nas novelas Pequod e Satolep, já tinha sido possível perceber que o
Vitor não estava para brincadeira nessa linguagem – estava levando a
experiência no mesmo grau de seriedade estética com que leva a canção, em que é
dos caras mais importantes do país.
Agora temos A Primavera da Pontuação (Cosac Naify). Nada a
ver com os livros anteriores: enquanto lá tínhamos narrativas de grande
densidade psicológica, aqui temos uma novela alegórica e irônica, do começo ao
fim. Entramos no texto sabendo que uma palavra-caminhão, dessas que carregam
letras garrafais, atropelou um ponto e fugiu. Isso causou grande revolta entre
toda a pontuação. Uma rebelião se arma; a imprensa dá cobertura aos eventos,
com o repórter Vocativo; há gente armando uma volta ao passado, como Grego e
Latino, membros do grupo dos Compostos Eruditos.
Por 160 páginas, o relato mantém a piada inicial, sempre
evocando termos do mundo da gramática (oração, agente da passiva, redondilha, o
escambau) como personagens, armando trocadilhos que desenvolvem a alegoria da
revolta popular, seus desdobramentos e bastidores. Com requintes de linguagem
que farão o gosto dos leitores cultos: onde Alexandrino se manifesta, há
orações de metro alexandrino, 12 sílabas métricas; o jardineiro Virgílio fala
em versos bucólicos.
Qual a natureza do livro? Difícil sintetizar. É certo que
temos uma novela, toda organizada em relação irônica com a nomenclatura
tradicional da gramática e dirigida à armação de uma paródia, por meio da qual
nos vemos pensando na vida política real. Mas A Primavera da Pontuação
acertadamente não quer moralizar, nem serenar nossas inquietações, nem soprar
nas brasas da revolta popular. E nos proporciona um divertimento da pesada.
PS: Na coluna passada errei ao dizer que não há desenhos
infantis com fala rio-grandense. Quem me puxou as orelhas foi meu amigo Paulo
Becker, e com razão. Ele é roteirista do programa Mundo da Leitura, produzido
na Universidade de Passo Fundo e veiculado no Brasil todo, pelo Canal Futura.
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