sábado, 12 de julho de 2014


13 de julho de 2014 | N° 17858
PAULO SANT’ANA

Sonho e trauma de menino

Ali, naquela ruazinha do Partenon chamada Guedes da Luz, que vai da Bento Gonçalves até a Avenida Veiga, tinha a capelinha do Sagrado Coração de Jesus, onde com 12 anos eu era sacristão.

Foi bem ali naquele terreno, onde hoje se ergue um colégio, que eu pela primeira vez vi a minha primeira amada, junto a uma tenda da quermesse da capelinha. Era uma menina de feições doces e olhos meigos, que também me olhou e viu em mim o que nenhuma outra menina tinha visto.

E, desde então, um fogo de paixão se instalou no meu coração de garoto. De tal sorte, que só então pude sentir o que era o amor e que me fazia correr pelos campos e colher frutos silvestres, brincar com os outros meninos, sem nunca me livrar da lembrança da minha doce amada, menina do meu amor e do meu sonho.

Eu nunca em minha vida dirigi a palavra a ela, ela nunca falou comigo, mas aquele foi e é o grande e maior mistério e amor da minha vida. Porque foi o amor sonhado e não conseguido. Eu passava na frente da casa dela várias vezes durante todos os dias, sem nenhum motivo mais forte para andar por ali que não fosse a expectativa de vê-la na janela ou no pátio.

Só o que eu queria era vê-la de longe, mas com o passar dos meses eu fui saboreando uma sensação infinitamente melhor do que avistá-la, que era imaginar que ela estava dentro daquela casa, segura sob a custódia de afeto dos seus pais, crente de que um dia eu teria a suprema felicidade de me casar com ela.

Só passar diante da casa dela me bastava como um vasto contentamento. Incendiava-me deliciosamente a esperança de que um dia eu poderia ver unida a mão dela à minha mão e que nós seríamos um parzinho feliz de namorados a caminhar de pés descalços pelas várzeas e bosques do nosso bairro.

Era uma bênção passar 30 vezes por dia diante da casa dela, lembro-me que eu ficava tomado de um tal êxtase, que nunca senti na vida prazer igual. No inverno, eu via a luz do quarto dela acesa e a imaginava agasalhada nas cobertas, pronta ao sono que a alimentaria para que um dia fosse minha, só minha, na minha companhia para sempre, a ajudar-me a enfrentar a luta da vida com aquele mel do seu sorriso e aquela luz enfeitiçada do seu olhar.

Eu ia a todas as missas da capelinha, porque ela era religiosa e só vê-la ajoelhada diante do altar me enchia o dia de imensa alegria.

Recordo-me que eu me esgueirava entre as árvores para vê-la passar ao sair dos ofícios religiosos. Eu me escondia dela porque era um menino pobre diante daquela menina de classe média alta para aquele tempo. E eu me envergonhava das minhas vestes e dos meus calçados, calculando que se ela me visse naqueles trajos modestos pudesse concluir que eu não a merecia e descartasse para sempre a minha estupenda esperança.

Encorajava-me mais esconder a minha pobreza para os olhos dela quando me paramentava de sacristão na missa que ela assistia atrás de mim, eu sem poder olhar para ela, mas rezando centenas de ave-marias e padre-nossos durante a liturgia, só para agradecer a Deus que ela estivesse ali presente e contígua, pedindo ao Senhor que ele a preservasse no futuro para o meu destino.

Era de ver como eu era feliz por amar, como só talvez consiga amar uma criança, aquela minha namorada com quem nunca falei e que se dispersou mais tarde da minha vida sem nenhuma consequência.

Passo ainda de propósito por vezes no lugar onde era a capelinha. E sinto uma nostalgia doce e amarga, tâmara e punhal, na lembrança da minha eterna namorada, a minha amada primeira e final, razão e vazio da minha vida, sonho desfeito de menino que no entanto nunca mais viria a ser tão feliz como era quando tinha próxima e prometedora aquela ventura tão almejada.


Nunca mais senti nada parecido, ternura fenomenal, do que sentia pela minha menina amada do Partenon.

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