domingo, 20 de julho de 2014


20 de julho de 2014 | N° 17865
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Os americanos que não aceitam dinheiro

Queria pagar o aluguel. Nada complicado, aparentemente. Com o detalhe de que, aqui, você não paga o aluguel no fim do mês, paga no começo. Tudo bem, vamos lá.

Liguei para o cara da imobiliária e perguntei como poderia fazer o pagamento. Ele respondeu que precisava mandar um cheque pelo correio. O problema era que meu talão de cheques ainda não havia chegado. Como não gosto de ficar devendo, fiz o seguinte: fui ao banco, retirei o montante referente ao aluguel, chamei um táxi e toquei, lampeiro, para a imobiliária. Cheguei lá e disse que queria pagar o aluguel. O funcionário: “OK, my friend”. Tirei o dinheiro do bolso, ele olhou e balançou a cabeça:

– No, no. Nós não aceitamos dinheiro; só cheque.

Pisquei:

– Ahn... Estou aqui com dinheiro para pagar meu aluguel. Money! – E acenei com o bolinho flamejante de dólares. – Você não quer o meu dinheiro?

– Só cheque.

Comecei a achar que meu inglês cambaio estava me iludindo. Não era possível aquilo. Dinheiro é muito melhor do que cheque, não é? Mostrei-lhe o maço de notas outra vez e repeti:

– Vim para pagar o aluguel e...

Ele ficou meio ofendido.

– Isso aqui não é um banco – disse, meio ríspido. – É uma imobiliária!

Pensei em argumentar que o supermercado, a farmácia e todos os shoppings centers e mendigos do planeta também não são bancos e, para eles, meu dinheiro é bom, mas vi que não adiantaria. Dei meia-volta na minha perplexidade e fui embora com o dinheiro no bolso e a dívida pendurada na dignidade das imobiliárias americanas.

Vá entender.

Esse é o problema, quando você está vivendo num lugar diferente: as regras. Não leis; regras. E não são nem regras de comportamento, são regras de procedimento, sistemas com os quais os americanos estão acostumados, mas que, para um suburbano do último meridiano do Brasil, são muito esquisitas.

Vou dar outro exemplo. Um exemplo esportivo. O próximo.

UM EXEMPLO ESPORTIVO

Tem um parque aqui perto de onde moro. Boston é uma cidade de belos parques, de muitas árvores, de muito verde, uma cidade onde os esquilos e as lebres correm velozmente pelas ruas, enquanto os carros rodam devagar.

Nesse parque, sempre há gente jogando futebol. Futebol mesmo, soccer, aquele que a Alemanha joga, não o da bola elíptica.

São jogos animados, vê-se. Mas com um ingrediente estranho: homens e mulheres jogam juntos. Não a velha brincadeira de praia de homens contra mulheres, não: eles montam times mistos, que se enfrentam para valer.

Fiquei escandalizado. Tive vontade de invadir o campo, interromper o jogo e gritar:

– Hey, man! Que ideia é essa? Arranjem uns pompons para essas minas e mandem-nas já para a lateral do campo, para gritar: “D, de divino! A, de altruísta! V, de vitorioso! I, de inteligente! D, de dinâmico!”

Mulheres jogando junto com homens. Francamente. Assim os Estados Unidos nunca vão passar das quartas de final.

CONSERVADO...

Outra.

Noite dessas, fui a um restaurante, pedi uma bebida, e a atendente solicitou minha carteira de identidade. Perguntei por quê. Ela respondeu que só podia vender para maiores de 21 anos.

Fiquei tão feliz...

Depois descobri que eles não fizeram isso devido a minha carinha de jovem, mas porque vez em quando a polícia dá uma incerta para ver se estão cumprindo a proibição de venda de álcool para menores.

Talvez eu não parecesse jovem, talvez parecesse tira.

Bem, rapaz, não é tão ruim parecer tira.

CHEGA DE BATATA FRITA

Os caras gostam muito de batata frita nos Estados Unidos. Qualquer prato que você pede vem com batata frita. Nem está dito ali no menu que a batata frita está incluída, e a batata frita vem. Os sanduíches e hambúrgueres todos têm batata frita, mas, perigou, vem sopa, massa, sushi, tudo com batata frita.

No começo, eu comia aquela batata frita toda, até porque gosto de batata frita. Mas depois começou a me enjoar. Deixava aquele monte de batata frita esfriando no prato e pensava nas criancinhas pobres da Etiópia, que adorariam comer uma batata frita naquele exato momento. Agora já me preveni. Quando peço algo, alerto:

– Nada de batata frita! Não me traga batata frita! Não me façam odiar batata frita!


Tenho que me adaptar com urgência a esses hábitos norte-americanos.

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