domingo, 27 de julho de 2014

ELIO GASPARI

Vexame, a banca não sabe contar

Procuradoria-Geral corrigiu o terrorismo dos doutores e de seus papagaios contra as vítimas dos confiscos

No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal esteve prestes a julgar o litígio dos poupadores das cadernetas de poupança que se sentiram lesados com a correção monetária de seus depósitos durante os planos econômicos fracassados do fim do século passado.

Com o apoio do Banco Central, a banca desencadeou uma operação de terrorismo político-financeiro, argumentando que se os depositantes prevalecessem, provocariam um desastre bíblico na economia nacional. Seriam R$ 150 bilhões, talvez R$ 180 bilhões, quem sabe, R$ 441 bilhões. Uma empresa de consultoria falou em R$ 600 bilhões.

Um manifesto assinado por Guido Mantega e cinco ex-ministros da Fazenda, inclusive aqueles que ajudaram a produzir a ruína da hiperinflação, foram na mesma linha.

Um dos advogados da banca chegou a mandar uma carta ao ministro Ricardo Lewandowski prevendo que uma decisão a favor dos poupadores "lançará o país numa coorte de horrores que, sem exagero, irão do desemprego em massa à fome da população mergulhada nos sortilégios de uma crise econômica que afetará toda a nação." Os ilustres causídicos da banca, que já haviam tentado tenebrosas tentativas no escurinho de dois recessos do STF, conseguiram adiar para este ano o julgamento do caso.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor sustentava que isso era um exagero e argumentava que esses mesmos bancos haviam provisionado apenas R$ 11 bilhões. Na conta do Credit Suisse o litígio custaria R$ 26,5 bilhões.

A Procuradoria-Geral da República informou que as contas catastrofistas estavam erradas. A cifra certa, para a PGR, está em R$ 21,9 bilhões. Em vez de aterrorizar o país com uma conta doida para não pagar coisa alguma, os bancos poderiam ter feito a conta certa, como fez o Credit Suisse. Afinal, eles a conheciam.

Ficará na história da banca brasileira o fato de terem inventado um apocalipse para ganhar um dinheirinho à custa da boa-fé do público e da sua capacidade de atemorizar os ministros do Supremo.

Tudo indica que o Supremo decide a questão ainda neste ano.

PAROLAGEM

Uma indicação de que os candidatos à Presidência da República dedicam-se a uma ilustre parolagem quando discutem a saúde pública:

Nenhum deles tratou em sua plataforma da questão do ressarcimento ao SUS quando sua rede atende clientes dos planos de saúde. Essa conta deveria ir para as operadoras e, no ano passado, a Agência Nacional de Saúde arrecadou apenas R$ 167 milhões. Melhorou, pois de 2001 a 2010 a Viúva só conseguiu receber de volta R$ 125 milhões.

A repórter Barbara Bretanha mostrou que, nos últimos cinco anos, os clientes de planos atendidos pelo SUS cresceram em 60%. Foram 320 mil internações. Entre os dez motivos mais comuns estão os partos.

Ganha uma viagem à Ucrânia quem for capaz de achar uma mulher que, tendo plano, pretendia parir no SUS.

O melhor negócio do mundo é vender um plano de saúde para quem a tem e remete o cliente ao SUS quando ele precisa. O segundo melhor negócio, para candidatos, é não chatear as operadoras em tempo de arrecadação.

NOTÍCIA DO BRASIL

Um passeador de cachorros num bairro do andar de cima de São Paulo cobra meio salário mínimo mensal ao dono do bicho por dois passeios diários, de meia hora cada um.

Passeando dez cachorros, fatura R$ 3.500 sem osso, que equivalem a R$ 4.500 brutos.

Como na Argentina essa profissão é regulamentada, daqui a pouco aparecerá um sábio querendo importar a ideia.

Quando isso acontecer, os cães pedirão que se crie a profissão de passeador de bípedes.

OFIDIÁRIO

A cada mau número da economia, o serpentário de Lula repete: "Ele sugeriu a Dilma a substituição de Guido Mantega".

Tudo bem, mas quem o colocou na Fazenda?

Padrão Abdalla para hospitais quebrados

A rede hospitalar brasileira deve ao médico Kalil Rocha Abdalla, provedor da Santa Casa de São Paulo, a criação de uma nova metodologia para a internação de dinheiro da Viúva em instituições médicas inadimplentes: junto com o dinheiro da Boa Senhora entram também auditores e o Ministério Público.

O doutor está no seu terceiro mandato, administra a Santa Casa há seis anos, teve dívidas perdoadas pelo governo, deve pelo menos R$ 50 milhões a fornecedores e, para receber socorro financeiro, fechou as portas do seu pronto-socorro. Logo este. Doentes que chegaram à Santa Casa no meio da madrugada bateram com a cara na porta. (Duas grávidas em trabalho de parto foram atendidas.)

A Casa de Abdalla é o maior hospital filantrópico do país e, na conta do governo paulista, a Casa de Abdalla deve R$ 400 milhões.

Há décadas, esta e outras Santas Casas infeccionam as noções de santidade e de filantropia. Atendem de graça, mas custam milhões à Viúva, cuja bolsa é abastecida pela generosidade tributária da patuleia. A Santa Casa do Rio já foi apanhada até em maracutaias com túmulos. Uma nada tem a ver com a outra e há instituições exemplares que levam esse nome. Elas surgiram na Colônia, quando eram a única iniciativa de saúde pública de Pindorama. Chamavam-se Santas Casas de Misericórdia.

Depois de fechar a porta do pronto-atendimento para abrir, com sucesso, a Bolsa da Viúva, o doutor Abdalla, presidente de uma instituição quebrada, deu uma entrevista investindo-se da soberba de um donatário medieval: "Falei, vou fechar"; "Ou me dá algum dinheiro, ou não. R$ 3 milhões é insuficiente"; "Estou aqui há seis anos"; "Fechei repentinamente porque chegou um dia e o fornecedor disse que não ia mais me fornecer material". Incomodado, despediu-se da repórter Thais Bilenky: "Você está perguntando para poder futricar. Você devia falar que eu sou bonito, tal. Você não fala. Você só vai descer o porrete".

Por mais perigoso que seja uma repórter descendo o porrete, é preferível isso a um serviço de pronto-atendimento fechado "repentinamente".

Deve-se ao doutor Abdalla o estímulo a um novo padrão de conduta do Estado. Se um hospital está em dificuldades financeiras, chama uma auditoria pública para examinar suas contas. Isso pode ser feito a qualquer momento, sem necessidade de ações repentinas numa administração que dura seis anos. De quebra, o gestor do hospital pode ganhar uma visita do Ministério Público, com direito a porrete.

A situação da Santa Casa só chegou ao ponto em que chegou porque alguém deixou de fazer o seu serviço, mas quem pagou a conta foram os doentes. Pagarão duas vezes: na primeira, não sendo socorridos; na segunda, pagando impostos para socorrer instituições quebradas.


Em tempo: o doutor veste-se bem, mas bonito não chega a ser.

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