17 de julho de 2014 | N° 17862
L. F. VERISSIMO
Manchetes
Há notícias de primeira página
que nunca chegam a primeira página. Ou por falta de espaço – caso do Brasil no
último mês, quando o futebol dominou as primeiras páginas de todos os jornais –
ou por decisão editorial. Entre as notícias de primeira página que não viraram
manchete durante a Copa está a declaração formal das forças armadas brasileiras
que nada de anormal, como tortura e mortes, aconteceu em qualquer dependência
militar no Brasil no período da ditadura.
E pronto. Notícia paralela que
também ficou nas páginas internas foi a da prescrição do caso da bomba no
Riocentro, que não será mais investigado. Também: assunto encerrado. Quem
insistir que houve tortura e morte nos quartéis durante a ditadura, segundo
relato de sobreviventes e averiguações criteriosas já feitas, estará chamando a
instituição militar brasileira de mentirosa. Sobre a ação criminosa abortada
pela explosão prematura daquela bomba no Puma jamais se saberá mais nada.
Outra notícia que merecia
manchetes mas não passou do bloqueio da Copa foi a de que dos 32 países que
participaram do campeonato, o Brasil foi o que apresentou maior queda nos
índices de mortalidade de crianças de até cinco anos de idade nas últimas
décadas. Maior do que ocorreu na Alemanha, na Holanda e na Argentina, para
ficar só nos quatro finalistas da Copa.
Os dados são da Parceria Para a
Saúde Materna de Recém-Nascidos e Crianças, entidade coordenada pela
Organização Mundial da Saúde. A divulgação desses números com o destaque
merecido talvez diminuísse os insultos à presidente, que, estes sim, sempre
saem na primeira página. Ou talvez aumentasse, vá entender.
Por que?
O terremoto que arrasou Lisboa
também sacudiu a intelectualidade europeia da época, que se dividiu entre os
que consideravam a catástrofe um ato de Deus para punir a pecaminosa capital
portuguesa e os que diziam que a Natureza, e não um Deus cruel, era responsável
pelo cataclismo. Voltaire manteve que o terremoto provava a inexistência de
Deus e fez pouco dos que defendiam que era um castigo divino, num famoso poema
em que perguntava: se o objetivo era acabar com o pecado, por que escolher logo
Lisboa e não Paris, onde havia muito mais pecadores, “mergulhados nas
delícias”, do que em Lisboa?
“Lisboa está arruinada”,
escreveu, “e dança-se em Paris”. Exatamente o que sentimos depois dos 7 a 1,
guardadas todas as gigantescas proporções. Nosso futebol está arruinado, e
dança-se em países que não têm metade das nossas taças e glórias. E por que
nós?!
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