27
de julho de 2014 | N° 17872
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
Você sofre de ansiedade de
banheiro?
Estava
no supermercado, no corredor dos itens para banho e limpeza, e vi aquela
mensagem. Era um texto escrito num pacote de rolos de papel higiênico. O título
capturou a minha atenção, como devem fazer os bons títulos. Numa tradução
livre, perguntava-me assim:
“Você
tem ansiedade de banheiro?” Hein?
Li a
linha abaixo. Nova pergunta:
“Você
está se sentindo como se jamais fosse encontrar o papel higiênico perfeito?”
Olhei
para dentro de mim mesmo. Para minh’alma. Fiz um questionamento silencioso.
Estaria eu em busca do papel higiênico perfeito? Nunca havia pensando nisso
nesses termos, mas, sim, concordei: eu queria o papel higiênico perfeito.
Agora, querendo-o, achava que poderia encontrá-lo ou, como dizia o texto,
sentia-me como se ele não existisse? Refleti mais um pouco, parado ali, diante
da estante, e balancei a cabeça: era verdade, sentia-me como se nunca pudesse
encontrar tamanha perfeição.
Fui
em frente. Havia uma descrição do tão almejado papel higiênico perfeito:
“Um
que deslize do rolo com graça e estilo”.
Eu
queria isso? Graça e estilo em meu papel higiênico? Sim. Sim! Definitivamente
sim. Parecia maravilhoso.
Prossegui.
“Relaxe”,
tranquilizava-me o redator. “Sua busca acabou”. Por quê? Porque aquele papel
higiênico que tinha em mãos, chamado de “Super Soft”, possuía o poder de fazer
as minhas ansiedades derreterem. Era isso que ele fazia: derretia ansiedades.
“O
Super Soft faz jus ao nome que leva e é uma garantia de, com seu uso, trazer um
sorriso para o seu rosto”, prometia-me a embalagem, encerrando com uma espécie
de repto: “Não leve em conta o que dizemos. Leve esse rolo miraculoso para casa
e experimente!”
Oh,
Super Soft!
Levei-o
para casa. Ele me traz, diariamente, um sorriso com seu uso.
Ah,
o poder dos publicitários americanos.
ANSIEDADE
ÉTNICA
Você
tinha de ver os negrões americanos dançando. Aliás, aqui nos Estados Unidos
você não pode nunca chamar um negro de negro. É afroamericano MESMO. Chamar um
negro de negro pode dar processo e tudo mais.
Mas,
francamente, chamar um negro de afroamericano é que me soa preconceituoso, por
causa da falta de naturalidade da coisa. Como é que vou descrever Pelé como “um
afroamericano forte, de 1m73cm de altura, que chuta bem com ambas as pernas”?
Qual é o problema com “Pelé é um negro forte, de 1m73cm de altura, que chuta
bem com ambas as pernas?” Onde está a ofensa?
Mas,
está certo, se algum negro brasileiro me disser para chamá-lo de afroamericano,
chamo. Respeito suscetibilidades. Aqui, pelo menos, tem de ser assim. Então:
Você
tinha de ver os afroamericanos dançando. Vi, no Quincy Market, uma manhã
dessas. É mais do que dança, é malabarismo. Um show criteriosamente ensaiado em
que nada dá errado. Os caras se contorcem no chão como serpentes com coceira,
saltam como cabritos monteses, parece que os ossos deles são feitos de geleca.
E depois passam o chapéu para recolher os dólares da assistência. Dólares,
dólares. Tudo está bem, tudo está certo na América, se você tem dólares.
ANSIEDADE
CLIMÁTICA
Neste
momento em que escrevo faz 90 graus Fahrenheit. Como é converter isso para
Celsius, que é muito mais civilizado? Ninguém sabe ao certo. Há várias maneiras
de calcular. Uma delas:
Pegue
a temperatura Fahrenheit. No caso, 90.
Subtraia
32. Resultado: 58.
Divida
por 9. Resultado: 6,4.
Multiplique
por 5. Resultado: 32.
Aí
está: 32 graus Celsius.
É
quase isso. Na verdade, 90ºF dá 32,22222222222222222222222222222ºC.
Uma
droga. Nunca sei que temperatura está fazendo. Essa incerteza pode perturbar um
homem, pode acabar com ele. Sim, senhor.
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