29
de julho de 2014 | N° 17874
FABRÍCIO
CARPINEJAR
A janela adesivada de minha
adolescência
Visitei
a casa do meu passado onde mora a mãe.
Sempre
que entro no meu quarto é como se regredisse no tempo.
Os
móveis do jeito que deixei, a estante com os livros de Castañeda e Hermann
Hesse, as gavetas com cartas e fotos de amores antigos, os quadros de Brecht e
Che Guevara.
Fui
abrir as janelas para tirar o cheiro de guardado de décadas e permitir o sol
entrar. Ao pentear as cortinas ao meio, eu me dei conta de que não dava para
ver nada.
Lembrei
que, como adolescente em minha época, adesivei todo o vidro.
Participei
da febre e da moda entre os jovens dos anos 80: colar adesivos de lojas, de
rádios e camisetas, sorteados em promoções.
A
vidraça inteira coberta de propaganda. Não havia nenhuma frincha para escapar o
olhar ao pátio.
A
vidraça abarrotada como uniforme de piloto de Fórmula-1.
A
vidraça cheia como um álbum de figurinhas gigante.
A
vidraça pichada de slogans e apelos comerciais.
Não
faz muito sentido hoje, mas traduzia uma das primeiras demonstrações de
emancipação adulta.
Afrontávamos
a estrutura dominante, careta e organizada da família.
Como
não contávamos com o direito de escolher a cama, a escrivaninha, a colcha e o
armário, partíamos para personalizá-los. Ou seja, estragá-los com nossa
desobediência.
Os
pais reclamavam de nossa mania. Para eles, significava lesar a conservação dos
espaços e impedir a limpeza.
Nem
havia mesmo como tirar depois. Ficava eternamente na película com sua cola
aderente, grudenta, que só esponja de aço seria capaz de remover.
Pôr
adesivo tinha o mesmo peso de uma tatuagem e um piercing. Uma transgressão, uma
clara discordância doméstica, sinal de que crescíamos e que desejávamos nossa
independência, nosso caos, nossa bagunça, expor as nossas preferências.
Realizávamos escondidos, distanciados da censura dos mais velhos.
Entre
os colegas de escola, disputava os decalques. Se recebia um novo, de formato
diferente, já festejava e esnobava diante da turma nos grupos de estudo.
Os
mais chinelos eram os de postos de gasolina, os mais venerados eram os de jeans
com frases de efeito: “Liberdade é uma calça velha azul e desbotada, que você
pode usar do jeito que quiser”.
A
janela adesivada ilustrava o isolamento do adolescente, que cria um forte em
seu quarto, uma trincheira de seus gostos, apartando-se cada vez mais do resto
da residência até sair em definitivo.
Explicava
o quanto vivíamos para dentro, em nossos devaneios. A paisagem não existia,
unicamente nossas ideias, fantasias consumistas e palavras de protesto. Período
saudoso quando morava apenas em meus pensamentos e acreditava que o mundo
deveria me obedecer.
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