15 de julho de 2014 | N° 17860
MOISÉS MENDES
A Copa
e os sabiás
Ofim da Copa nos devolve à fantasia, ao devaneio e ao sonho.
Foi o que me disse seu Mercio, guarda de rua da Aberta dos Morros, nos fundões
da zona sul de Porto Alegre. Vivemos um mês de dura realidade. Ninguém
aguentava mais.
É preciso relaxar e voltar a sonhar um pouco, fugir daquele
ambiente pesado de vitórias no sufoco, de pênaltis, de patriotismo exacerbado,
do Fred, da choradeira, dos 7 a 1, dos 3 a 0. A partir de agora, só leveza.
Podemos, sim, escapar do mundo real e voltar a sorrir, me
disse seu Mercio. Ele defende que se fique um mês sem futebol e sem telão. Para
desintoxicar.
Os times brasileiros ficariam só treinando, e alguém
tentaria fazer um gol parecido com aquele do alemão Götze na final contra a
Argentina. Alguém há de conseguir. Talvez até o Barcos.
Outra tese de seu Mercio: ninguém mais deve chorar em
lugares públicos. A realidade crua da Copa nos fez chorar demais e nos esgotou
emocionalmente.
Vamos voltar a chorar apenas em espaços fechados, para
treinar, até porque agora não tem mais telão. Cada um chora quando quiser (seu
Mercio é chorão, mas só fora das Copas), desde que seja pelos cantos.
Choros convulsivos, para que os outros apreciem, só na
Olimpíada de 2016, quando o comitê olímpico irá liberar a cena de um choro a
cada 10 segundos nos telões (a Fifa permitia um choro a cada 25 segundos). E
não desperdice choro no Campeonato Brasileiro.
Mas faça choro ensaiado. Evite o choro padrão Fifa tipo
Thiago Silva, com olhares constantes para o telão. Seu Mercio gostaria de ver
os brasileiros chorando como o Schweinsteiger, que chora como joga, com
sutileza, com a lágrima certa, sem exageros.
Depois da Copa, poderiam acabar com as palestras de autoajuda
de gente do futebol. A não ser que surjam abordagens extremamente criativas
sobre superação.
Seu Mercio imagina Felipão ensinando como erguer a cabeça
depois de levar cinco. E erguer de novo e levar seis. E, quando tentar
reerguer, levar sete. E mesmo assim continuar erguendo e, quatro dias depois,
levar mais três.
E contar como se ergue e se mantém a cabeça erguida tendo o
Fred de centroavante, o Murtosa ao lado e o Parreira lendo cartinha de fã.
Por fim, seu Mercio acha que técnico da Seleção não pode ser
fã de ditador. É dose ter um técnico que adorava Pinochet como exemplo de ordem
e determinação e tomou sete com todo mundo chorando. E ainda disse que é
preciso ver o lado positivo.
Que Copa cruel, me disse seu Mercio. Em tom quase paternal,
ele me recomendou: fuja um pouco dessa realidade, não pense no que passou. Se
nunca antes se chorou tanto, é porque a Copa estava nos maltratando. Vamos
sonhar e sorrir bem longe do Fred, do Felipão e dos alemães.
Nós merecemos, suspirou seu Mercio. Depois, olhou para um
sabiá ciscando na grama e me consolou: pense no que importa, pense que daqui a
pouco os sabiás estarão cantando de novo.
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