sábado, 12 de julho de 2014


12 de julho de 2014 | N° 17857LEITOR |
CAROL BENSIMON

Velhas versões de nós mesmos

Em quanto tempo, em que velocidade a gente esquece de quem a gente foi? Isso sempre me incomodou muito. É, provavelmente você lembre de quando deixou aquele velho emprego porque queria seguir um caminho diferente. Você deve lembrar também das lágrimas derramadas por uma música que hoje não lhe causa sensação alguma, ou de uma blusa esquecida no fundo do armário porque estampas florais não fazem mais sua cabeça.

Mas eu estou falando de algo mais profundo. O que a gente pensava sobre a vida, sobre o amor, sobre trabalho, família, sobre aquela árvore ali da esquina? O que ocupava nossa cabeça cinco anos atrás? No que acreditávamos no inverno passado? Tenho a sensação de que somos as piores testemunhas de nós mesmos.

Por isso acho às vezes que eu, você, todos nós deveríamos manter um diário. É um jeito de engavetar as impressões e as certezas que, de outro modo, tendem ao desaparecimento. Mas eu nunca tive um diário. O velho dilema: registrar ou viver? Guardar ou esquecer?

Este mês, no entanto, vivi uma experiência parecida com a de encontrar minha versão adolescente em um sonho hiper-realista. Acontece que um amigo de longa data, e há muito tempo perdido, me mandou um arquivo com dezenas de e-mails que trocamos, eu e ele, em 1996.

De repente, uma época de planos de internet de 20 horas mensais, modems 14.400 e conversas aleatórias no mIRC se materializou diante de mim. Mas, para além do registro desse lento desabrochar de uma era virtual, as questões logo passaram a ser: quem era aquela menina de 14 anos? Por que ela tinha tanto medo de encontrar o namoradinho virtual? Será que o que ela escrevia pra ele estava de acordo com as ideias que passavam na sua cabeça? E que história era essa de ouvir Laura Pausini e achar bom?

Velhas fotos também costumam dar pistas inconclusivas. Aqui estou eu num país estrangeiro, julho de 2012, mas no que eu pensava em todos esses quilômetros que dirigi sozinha? Os sonhos ainda são os mesmos? Por que ao menos eu não fiquei falando para um gravador? Agora tudo está perdido.

Fato é que eu já não tenho mais acesso à menina que eu fui. Nenhum de nós tem. Outro dia, tentei encontrar a foto de um piquenique, talvez 2004. Eu, meu melhor amigo e duas meninas. Acho que a menina de saia estava soprando dentro de uma garrafa, tirando dela uma porção de sons graves, inconstantes e fantasmagóricos.


Estávamos realmente felizes, os quatro, sobre isso eu tenho certeza. Salte 10 anos. Meu melhor amigo morreu num acidente, uma das meninas se mudou para a América do Norte, e a outra, por algum motivo que ignoro, passou a me detestar. Nessas horas, parece que esquecer é tão fundamental quanto lembrar. Que sorte que eu não tenho um diário.

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