quinta-feira, 31 de julho de 2014


31 de julho de 2014 | N° 17876
CARLOS GERBASE

QUEM PERDOA POLANSKI?

Os Estados Unidos não perdoam Roman Polanski. Ele não pode entrar no país desde 1977, quando foi acusado pelo estupro de Samantha Geimer, 13 anos, numa festa na casa de Jack Nicholson, e fugiu para a França. Polanski, então com 43 anos, admitiu que deu champanha e drogas para a menina, mas afirmou que o sexo foi consensual. As autoridades americanas não engoliram a desculpa – que, convenhamos, é muito frágil – e ainda querem prendê-lo em definitivo. No ano passado, a própria Samantha afirmou, durante o lançamento de seu livro de memórias, que perdoou o cineasta “há muito tempo”.

Os filmes de Polanski, contudo, não precisam de passaporte, e há uma distinção nos EUA entre banir o artista e impedir sua obra de circular. Aliás, os americanos sempre foram muito práticos a esse respeito.

Quando, no começo dos anos 1940, precisaram aprender rapidamente a fazer filmes de propaganda de guerra, o general George Marshall chamou Frank Capra e mostrou para ele uma cópia do proibido O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefensthal, documentário encomendado por Hitler para mostrar a força do nazismo. Era só copiar direitinho. Esta “adaptação” virou a bem sucedida série de cinejornais Why We Fight.

O mais recente filme de Polanski chama-se Venus in Fur (A Pele de Vênus, no Brasil). É uma adaptação para o cinema da peça de David Ives, por sua vez baseada na obra de Sacher-Masoch, escrita em 1870. Uma cópia da cópia, coisa bastante comum desde a Grécia clássica. A grande questão é o talento de quem copia. Polanski, mesmo banido do território norte-americano, ainda consegue fazer triunfar sua vontade e refletir sobre a sua própria existência, enquanto homem e artista. Essa é a grande qualidade do filme, que se soma às atuações fantásticas de Emmanuelle Seigner e Mathieu Amalric.

Polanski nos faz pensar na relação de dominação entre os gêneros masculino e feminino. A trama nos apresenta uma mulher aparentemente frágil e atrapalhada, que aos poucos vai mostrando sua força. As referências ao estupro da vida real são sutis, mas suficientes para quem acompanha a trajetória do cineasta. Venus in Fur é um dramático mea-culpa de Polanski, que tem seu clímax com o inesperado discurso feminista radical inspirado pela peça As Bacantes, de Eurípedes.


Nesse tempo de falência das grandes narrativas, em que o marxismo e a psicanálise buscam desesperadamente manter algum espaço na explicação do mundo, o brado das adoradoras de Dionísio ainda se mantém poderoso e revelador. E esse brado é colocado na tela por Polanski, um homem que estuprou uma menina de 13 anos. A menina o perdoou. Eu também. E você, cara leitora?

Nenhum comentário: