13
de julho de 2014 | N° 17858
ANTONIO
PRATA
Apolpando
Eu
gosto de goiaba, mas não gosto de comer goiaba. Ela tem uns caroços que não são
grandes, mas são duros: você deve mastigar com cuidado, só até seus dentes
tocarem um caroço, então parar – é como se nunca pudesse fruir plenamente das
potencialidades da goiaba.
Eu
gostava da Alice, mas não gostava de namorar a Alice. Ela tinha umas
implicâncias que não eram grandes, mas eram pétreas: eu tinha que me aproximar
com cuidado, só até roçar em suas defesas – era como se eu nunca pudesse fruir
plenamente das potencialidades da Alice.
Quando
terminamos, pensei: nossa, que mulher incrível seria Alice sem caroços!
Uma
noite, muito tempo depois de terminarmos, Alice apareceu aqui em casa. Com
outras palavras, disse que eu só era capaz de me relacionar com maçãs: pessoas
homogêneas, medíocres, com quem você pode conviver sem se preocupar com a
casca, os caroços, segurando pelo cabinho, sem melar as mãos.
Acho
que ela via a si própria como uma espécie de romã.
A
banana é uma das frutas mais saborosas que existem e é, sem dúvida, a mais
fácil de comer. O que joga por terra a falácia de que as pessoas interessantes
ou inteligentes ou talentosas devem ser antipáticas, cheias de caroços ou
difíceis de descascar. (Pena que, naquela noite, não pensei nisso.)
Chega
de Alice. Falemos de coisas boas.
A
manga é a picanha do reino vegetal. Se o mundo fosse justo, seria a manga, não
a maçã, o paradigma da fruta; pomme, em francês, seria manga; a serpente
ofereceria manga a Adão e Eva (ah, o sexo que perdemos!*); Steve Jobs teria
ficado rico pondo suas manguinhas de fora; Newton teria tirado a famosa soneca
à sombra de uma mangueira.
Não:
se uma manga caísse na cabeça de Newton, ele a teria comido e mandado a física
pras cucuias – que gravidade resiste a este Sol da Terra?
Nunca
achei a menor graça na Audrey Hepburn – uma uva, diriam muitos: não
discordarei, mas prefiro as mangas; ah, Scarlett Johansson!
Outro
dia, meu pai veio me visitar e trouxe uma caixa de caquis, lá de Sorocaba. Eu
os lavei, botei numa tigela na varanda e comemos um por um, num silêncio
reverencial, nos olhando de vez em quando. Enquanto comia, eu pensava: Deus do
céu, como caqui é bom! Caqui é maravilhoso! O que tenho feito eu desta curta
vida, tão afastado dos caquis?!
Meus
amigos e amigas e parentes queridos são como os caquis: nunca os encontro.
Quando os encontro, relembro como é prazeroso vê-los, mas depois que vão embora
me esqueço da revelação. Por que não os vejo sempre, toda semana, todos os dias
desta curta vida?
Já
sei: devem ficar escondidos de mim, guardados numa caixa, lá em Sorocaba.
*
Ver A Verdadeira História do Paraíso, de Millôr Fernandes (Editora
Desiderata).
Nenhum comentário:
Postar um comentário