13
de julho de 2014 | N° 1785
8CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
Não provoque os
tiras
Vinha
puxando a perna ainda dolorida por uma avenida bostoniana e testemunhei um
pequeno acidente, dias atrás. Uma camionete dirigida por vistosa madame bateu
na traseira de um carro estacionado, que, por sua vez, encostou no da frente.
Coisa pouca. Mas, em cinco minutos, por Deus, cinco minutos!, surgiram sete, eu
disse SETE viaturas da polícia e dois chamativos caminhões de bombeiros.
Chegaram
fazendo grande alarido, as sirenes ligadas, policiais saltando de carros e
caminhões como se fossem bandos de Starskys e Hutchs, gritando ordens para quem
estivesse por perto, isolando o local. Parecia que estavam prendendo o Bin
Laden.
Olhei
para a mulher, desolada no meio de todo aquele aparato, e estremeci: que o
Senhor me proteja contra quaisquer incidentes de trânsito no Grande Irmão do
Norte.
Tenho
a impressão de que o caráter ostensivo das ações policiais americanas é devido,
por ironia, à escassez de ocorrências realmente graves. É claro que há crimes a
todo momento por aqui, e crimes importantes, mas a estrutura da polícia dá
conta, eles têm carro e gente de sobra. Então, quando acontece qualquer coisa
errada, é um escândalo.
Isso
da sirene, por exemplo. Americano adora uma sirene. E as sirenes deles são
potentíssimas. Você vem distraído pela rua, pensando que não deveria ter comido
aquele sanduíche de atum suspeito, e, de repente, um silencioso carro de
polícia surge por trás e, de inopino, liga aquela
wolfrembaercristklimermanjoclumvicla st@#! $%¨$&%$#@! daquela sirene no
volume máximo.
Cara,
é um som MUITO ALTO! Você leva o maior susto. Por que ele ligou aquela sirene?
Porque alguém deve ter cuspido na calçada da outra quadra. Precisava daquilo
tudo? Precisava quase matá-lo de infarto?
Malditas
sirenes ianques.
Você
tinha de ver a polícia em ação. Por Deus. Qualquer guarda de trânsito, por
aqui, é autoridade MESMO. Uma tarde dessas, um caminhão bateu num fio de luz e
caiu a energia em toda uma quadra de Boston. Os policiais chegaram rapidamente
e começaram a organizar o trânsito. Fecharam uma rua.
Bem.
Um motorista desavisado tentou entrar pela rua fechada. Jesus Cristo! Os gritos
que o policial deu, xingando o sujeito... Era assustador. E não tem essa
história de discutir com policial ou desacatá-lo como fazem os black blocs do
Brasil, quando não estão tomando Chambinho na casa de papai. Nada disso. Você
não obedece, ele o imobiliza na hora e o leva preso e algemado.
Não
tem conversa.
Uma
polícia tão estuante de energia, naturalmente, vez ou outra vai descambar para
a arbitrariedade. Dias atrás, na Califórnia, um patrulheiro rodoviário foi
filmado espancando uma mulher à beira da estrada. Ele estava montado em cima
dela e a socava sem parar. A mulher, deitada no chão, só conseguia cobrir o
rosto com os braços. Uma cena brutal, que provocou justa revolta nos
californianos.
Era
uma mulher negra. Óbvio.
O
conceito de segurança da polícia americana vai além do cumprimento da lei. É
segurança em sentido abrangente. Eles não querem que ninguém se machuque, essa
a ideia.
Olha
só uma que me aconteceu: na véspera do Independence Day, saí de casa meio tarde
para comer algo. Eram já onze e tanto da noite, e eu andava pelas ruas internas
de Brookline, uma cidadezinha pegada a Boston. É Boston, na verdade, mas eles
dizem que não.
Caminhava
olhando as impressionantes casas do lugar – ainda vou escrever sobre elas,
parecem todas a casa da Família Adams. Então, a uma ou duas quadras às minhas
costas, passou um carro de polícia. O policial disse algo pelo alto-falante que
não ouvi direito, mas entendi que tinha a ver com o clima. Lembrei que estava
prevista a passagem do Furacão Arthur pela região. Mas não dei muita bola.
Segui em frente, enquanto a voz no alto-falante ia sumindo à distância.
Certo.
Minutos
depois, senti um pingo de chuva, um único pingo, no braço. Olhei para o céu e
disse para mim mesmo:
–
Vai ch...
Não
completei a frase. Desabou praticamente o conteúdo de uma caixa d’água na minha
cabeça. Antes que pudesse dizer Cucamonga, estava completamente ensopado e
chicoteado por um vento que quase me ergueu do chão. Caíam pingos do tamanho de
um rádio de pilha. Caíam, não: voavam lateralmente, carregados pelo vento
furioso que deve ter arrancado os esquilos das árvores.
Não
havia mais ninguém nas ruas de Brookline. Ninguém. Só eu, brasileiro incauto
que não ligou para os alertas de segurança da polícia americana. Só eu no meio
daquelas casas de filme de terror, daquelas árvores balouçantes, daquele vento
que assobiava, ameaçador. Só eu, de óculos, sem conseguir ver à distância de um
braço a minha frente, mancando, quase afogado com a água que se derramava do
céu escuro. Cristo, e era só um filhote do Furacão Arthur!
Um
policial americano falou algo no alto-falante? Preste atenção, por amor de
Deus.
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