sábado, 12 de julho de 2014


13 de julho de 2014 | N° 1785
8CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Não provoque os tiras

Vinha puxando a perna ainda dolorida por uma avenida bostoniana e testemunhei um pequeno acidente, dias atrás. Uma camionete dirigida por vistosa madame bateu na traseira de um carro estacionado, que, por sua vez, encostou no da frente. Coisa pouca. Mas, em cinco minutos, por Deus, cinco minutos!, surgiram sete, eu disse SETE viaturas da polícia e dois chamativos caminhões de bombeiros.

Chegaram fazendo grande alarido, as sirenes ligadas, policiais saltando de carros e caminhões como se fossem bandos de Starskys e Hutchs, gritando ordens para quem estivesse por perto, isolando o local. Parecia que estavam prendendo o Bin Laden.

Olhei para a mulher, desolada no meio de todo aquele aparato, e estremeci: que o Senhor me proteja contra quaisquer incidentes de trânsito no Grande Irmão do Norte.

Tenho a impressão de que o caráter ostensivo das ações policiais americanas é devido, por ironia, à escassez de ocorrências realmente graves. É claro que há crimes a todo momento por aqui, e crimes importantes, mas a estrutura da polícia dá conta, eles têm carro e gente de sobra. Então, quando acontece qualquer coisa errada, é um escândalo.

Isso da sirene, por exemplo. Americano adora uma sirene. E as sirenes deles são potentíssimas. Você vem distraído pela rua, pensando que não deveria ter comido aquele sanduíche de atum suspeito, e, de repente, um silencioso carro de polícia surge por trás e, de inopino, liga aquela wolfrembaercristklimermanjoclumvicla st@#! $%¨$&%$#@! daquela sirene no volume máximo.

Cara, é um som MUITO ALTO! Você leva o maior susto. Por que ele ligou aquela sirene? Porque alguém deve ter cuspido na calçada da outra quadra. Precisava daquilo tudo? Precisava quase matá-lo de infarto?

Malditas sirenes ianques.

Você tinha de ver a polícia em ação. Por Deus. Qualquer guarda de trânsito, por aqui, é autoridade MESMO. Uma tarde dessas, um caminhão bateu num fio de luz e caiu a energia em toda uma quadra de Boston. Os policiais chegaram rapidamente e começaram a organizar o trânsito. Fecharam uma rua.

Bem. Um motorista desavisado tentou entrar pela rua fechada. Jesus Cristo! Os gritos que o policial deu, xingando o sujeito... Era assustador. E não tem essa história de discutir com policial ou desacatá-lo como fazem os black blocs do Brasil, quando não estão tomando Chambinho na casa de papai. Nada disso. Você não obedece, ele o imobiliza na hora e o leva preso e algemado.

Não tem conversa.

Uma polícia tão estuante de energia, naturalmente, vez ou outra vai descambar para a arbitrariedade. Dias atrás, na Califórnia, um patrulheiro rodoviário foi filmado espancando uma mulher à beira da estrada. Ele estava montado em cima dela e a socava sem parar. A mulher, deitada no chão, só conseguia cobrir o rosto com os braços. Uma cena brutal, que provocou justa revolta nos californianos.

Era uma mulher negra. Óbvio.

O conceito de segurança da polícia americana vai além do cumprimento da lei. É segurança em sentido abrangente. Eles não querem que ninguém se machuque, essa a ideia.

Olha só uma que me aconteceu: na véspera do Independence Day, saí de casa meio tarde para comer algo. Eram já onze e tanto da noite, e eu andava pelas ruas internas de Brookline, uma cidadezinha pegada a Boston. É Boston, na verdade, mas eles dizem que não.

Caminhava olhando as impressionantes casas do lugar – ainda vou escrever sobre elas, parecem todas a casa da Família Adams. Então, a uma ou duas quadras às minhas costas, passou um carro de polícia. O policial disse algo pelo alto-falante que não ouvi direito, mas entendi que tinha a ver com o clima. Lembrei que estava prevista a passagem do Furacão Arthur pela região. Mas não dei muita bola. Segui em frente, enquanto a voz no alto-falante ia sumindo à distância.

Certo.

Minutos depois, senti um pingo de chuva, um único pingo, no braço. Olhei para o céu e disse para mim mesmo:

– Vai ch...

Não completei a frase. Desabou praticamente o conteúdo de uma caixa d’água na minha cabeça. Antes que pudesse dizer Cucamonga, estava completamente ensopado e chicoteado por um vento que quase me ergueu do chão. Caíam pingos do tamanho de um rádio de pilha. Caíam, não: voavam lateralmente, carregados pelo vento furioso que deve ter arrancado os esquilos das árvores.

Não havia mais ninguém nas ruas de Brookline. Ninguém. Só eu, brasileiro incauto que não ligou para os alertas de segurança da polícia americana. Só eu no meio daquelas casas de filme de terror, daquelas árvores balouçantes, daquele vento que assobiava, ameaçador. Só eu, de óculos, sem conseguir ver à distância de um braço a minha frente, mancando, quase afogado com a água que se derramava do céu escuro. Cristo, e era só um filhote do Furacão Arthur!


Um policial americano falou algo no alto-falante? Preste atenção, por amor de Deus.

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