29
de julho de 2014 | N° 17874
MOISÉS
MENDES
O chão de Ariano e
Iberê
O
assunto mais chato da véspera da Copa era a ameaça de caos nos aeroportos. Um
dia, no final de abril, dois meses antes da Copa, Ariano Suassuna estirou-se no
chão do aeroporto de Brasília, recostou a cabeça numa pasta e ficou ali por
alguns minutos.
Alguém
fotografou o paraibano. A foto passou a circular pela internet. Pronto.
Iniciava-se o caos nos aeroportos. O autor da foto avisava que Ariano não tinha
onde sentar.
Ariano
era uma boa imagem para a chegada do caos. A torcida contra o governo, a Dilma,
o Brasil, a Seleção e o bom senso mobilizou milhares de anunciadores do fim do
mundo. Mas os apocalípticos não entendem nada de Ariano Suassuna.
Ele
estava apenas descansando, todo de branco, como sempre fazia nos aeroportos. A
imagem do caos era da mais absoluta serenidade. Ariano, com um sorriso de canto
de boca, como aparecia nas fotos, era um péssimo anunciador do caos. E
conspirava contra os que pretendiam ter encontrado um velhinho capaz de
representar a primeira vítima do desembarque do fim do mundo.
Pois
o caos não veio, e agora Ariano se foi. Quantos no Brasil ainda têm autoridade
para repetir seu gesto e estirar-se no chão de lugares públicos e ficar ali
impunemente, sem despertar a desconfiança de guardas, fiscais, vigilantes dos
bons modos e anunciadores do caos?
Onde
você espicharia os ossos? Onde você se comportaria como uma criança, com as
mãos segurando a cabeça, deitado de costas, como fazia Ariano, espiando pelos
olhos semicerrados os que iriam parar por curiosidade ou ciúme, ou os que
estavam ali na incumbência de avisar a brasileiros e estrangeiros que não havia
como receber tanta gente durante a Copa.
Onde
você se espicharia com as pernas cruzadas, como Ariano, todo de branco, para
olhar o mundo de baixo ou para ser visto do alto? Onde? No chão da rodoviária
de São Gabriel? No calçadão da Rua da Praia? Na Esquina Democrática, na esquina
central do Mercado Público, no piso frio da Usina do Gasômetro?
Ou
no chão da Capela Sistina, em meio a gente que anda e chora de um lado a outro
olhando para cima, e você deitado hipnotizado pela magia de Michelangelo? Você
pode ficar deitado pelo tempo que quiser na Sistina, sem que os guardas do
Vaticano o retirem dali, porque Michelangelo pintou aquilo tudo deitado num
andaime.
Onde
você espicharia os ossos sem ter de dar explicação a ninguém?
Eu
queria ter visto o que nunca mais poderá acontecer: Ariano deitado no chão da
Fundação Iberê Camargo, admirando a arte que representa seu gesto. O quadro No
Vento e na Terra, do homem deitado no chão, nu, como se o seu corpo saísse de
um molde daquele barro.
Aquilo
é Iberê e é Ariano e somos todos nós. O Ariano que se estirava no chão buscava
o que de fato importa. E o que importa, no fim, é a terra. Quem sabe, apenas
com uma bicicleta ao fundo, como no óleo de Iberê.
Todo
o resto só terá algum sentido se um dia você desafiar os anunciadores do caos e
estirar-se no chão, qualquer chão. Ariano era o homem nu pintado por Iberê
naquela tela assombrosa. Era ele e o chão. O resto, dizia o paraibano, todo o
resto, o tempo esfarela.
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