domingo, 13 de julho de 2014

ELIO GASPARI

Na paixão da guerra, um herói de caráter

Charlie Brown levou 47 anos para entender o com-portamento daquele piloto alemão numa tarde de 1943

Ao final de um mês de paixões, tristezas, alegrias e cavalheirismo, aqui vai uma história na qual esses ingredientes se misturaram no pior dos cenários, o da guerra.

Em março de 1946, um ano depois da derrota da Alemanha, Franz Stigler estava em busca de trabalho quando foi reconhecido pela boa qualidade de sua botas. Eram as botas dos pilotos da Luftwaffe, aqueles que, segundo a propaganda do governo, salvariam a Alemanha da derrota. Dos 28 mil pilotos do Reich, haviam sobrado só 1.200, mas ele foi reconhecido e insultado pelos compatriotas. Esse pedaço da vida mostrou-lhe que as botas da glória haviam-se transformado em marca de opróbrio. Franz não era um homem qualquer, mas, em 1946, ninguém haveria de se lembrar dele.

Salvo Charlie Brown. Três anos antes, Franz pilotava um caça Bf-109, protegendo o norte da Alemanha, quando alcançou um B-17 de uma esquadrilha que bombardeara a região de Bremen. O avião americano estava em pandarecos. Ele podia ver tripulantes feridos e rombos na fuselagem. Tirou o dedo do gatilho e emparelhou seu caça com o bombardeiro. Aquele avião não podia estar voando. Charlie Brown, o piloto do B-17, esperava apenas pelos últimos tiros.

Viu o piloto alemão movendo a cabeça num incompreensível sinal afirmativo e achou que estivesse sonhando. Franz escoltou o B-17 durante dez minutos. Quando ele se aproximou da costa da Inglaterra, balançou as asas e voltou para a base alemã: "Não se atira em paraquedista. O avião estava fora de combate. Eu não carregaria isso na consciência".

Charlie contou aos seus superiores o que lhe acontecera, mas mandaram-no ficar calado, pois propagaria um episódio capaz de comover os colegas com a ideia de que havia alemães civilizados.

Franz sobreviveu à guerra, mudou-se para o Canadá e só contou sua história em 1985. Não sabia o que acontecera ao B-17. De 12 mil bombardeiros, 5.000 haviam sido destruídos em combate. Na outra ponta, Charlie Brown, que vivia na Flórida, sonhava em encontrar aquele alemão. Escreveu uma carta para uma revista, descrevendo o estado de seu avião, com o cuidado de omitir um importante detalhe. Em 1990 os dois encontraram-se. Franz tinha 75 anos, e Charlie, 68. O alemão lembrou-lhe que o B-17 estava com o estabilizador destruído. Era o detalhe omitido.

Pouco depois, todos os sobreviventes do B-17 reuniram-se, levando suas famílias. Eram 25 homens e crianças que deviam a vida a um homem que não apertou o gatilho.

Franz morreu em março de 2008. Charlie, em novembro.

Serviço: Essa história está contada no livro "A Higher Call", de Adam Makos (custa US$ 9,99, na rede), e vai virar filme.

CONTAS

Ficando no Supremo Tribunal Federal até 6 de agosto, o ministro Joaquim Barbosa poderá organizar melhor a transferência do seu gabinete para o sucessor. Lateralmente, terá direito também a receber o adicional de um terço de um salário, que perderia se fosse embora logo. Juntando tudo, dá pouco mais de R$ 10 mil.

COÊLHO NO STF

Se há alguém trabalhando para que Marcus Vinicius Coêlho, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seja nomeado para a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal, é possível que esteja usando seu santo nome em vão. Há poucos dias, ele assegurou que não pretende deixar a OAB, interrompendo um mandato que vai até 2016. O doutor garante isso desde janeiro. Ele prometia que em seu mandato realizaria um plebiscito entre os advogados para decidir se a eleição indireta é a melhor forma para a escolha da direção da OAB e dizia-se disposto a colocar as contas da instituição na internet.

JOÃO CABRAL

Acaba de sair pela Editora da Unicamp o livro "Imaginando João Cabral Imaginando", da professora Cristina Henrique da Costa. É um mergulho na obra do poeta, inclusive na sua produção anterior a 1950.

Um tesouro para seus estudiosos, com surpresas para quem vê na sua obra racionalidade demais e subjetividade de menos.

CONTAS SUÍÇAS

Se tudo correr bem, um cacique do banco UBS fecha com a Prefeitura de São Paulo um acordo para ressarcir a Viúva por causa dos depósitos de Paulo Maluf que acolheu ao tempo em que ele governava a cidade.

O PADRÃO CBF

Ao sair da CBF, Ricardo Teixeira deixou um jatão de 18 lugares e um helicóptero Agusta de 15, que custou 14 milhões de dólares.

Nos últimos anos, o Agusta foi usado como táxi pelos presidentes José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, que moram em São Paulo, para seus deslocamentos até o Rio de Janeiro, pousando perto da CBF.

Esse é o padrão de maganos que vivem como milionários com os recursos alheios.

O PADRÃO MELLON

A casa de leilões Sotheby's ganhou a disputa para leiloar a coleção de arte de "Bunny" Mellon, que morreu em março passado, aos 103 anos. No seu sobrenome brilha o padrão dos milionários americanos da Nova Inglaterra.

Será coisa de mais de 100 milhões de dólares em obras de arte, joias e móveis. O dinheiro irá para uma fundação que cuida da biblioteca pública onde estão os livros raros que ela e o marido doaram. Ele, Paul, era filho de Andrew Mellon, que deu aos Estados Unidos o núcleo central da National Gallery de Washington. Passou a vida dando o que tinha. Bailarinas de Degas, como a do Masp, deu duas. Morrendo, chamou os amigos para que levassem suas roupas, desde que lhe deixassem um terno para a última saída.

"Bunny" ajudou a inventar Jacqueline Kennedy. Magistral jardineira, cuidou das flores no enterro do presidente. Ela não era uma milionária emergente, das que têm avião. Tinha aeroporto. Quando a atriz Audrey Hepburn estava doente e precisava de transporte para atravessar o Atlântico, emprestou-lhe seu jatinho, repleto de flores.

UM TRUQUE NADA MERITOCRÁTICO

Apareceu mais um contrabando de medida provisória. Desta vez, na MP 641. Ele mexe com o regime de cobrança de impostos ao setor de bebidas frias, que inclui cervejas, refrigerantes e energéticos. Os repórteres Raphael Di Cunto, Marina Falcão e Fernando Torres mostraram que o gato foi colocado na tuba de uma MP que tratava da comercialização de energia.

Trata-se de um setor bilionário, onde há empresários que ser- vem de modelo para milhares de jovens. Não é razoável que permitam o encaminhamento de seus interesses por meio de jabu- tis. No ano passado, as bebidas subiram 10,52%, contra uma in- flação de 5,91%.


A metodologia proposta no contrabando pode até ser a melhor, mas não é assim que se fazem as coisas. Assim como não se deve pedir a uma pessoa que assine um contrato depois de tomar duas dúzias de cervejas, não se deve mexer no sistema tributário no escurinho de uma MP, aproveitando-se de um ano eleitoral, com um Congresso em fim de feira.

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