15 de julho de 2014 | N°
17860
DAVID COIMBRA
ASSIM QUE SE FAZ
Uma Copa do Mundo é uma espécie de mestrado em
futebol, onde se aprende o que há de mais moderno e sofisticado na atividade de
jogar bola. Essa Copa brasileira teve muito a ensinar, sobretudo graças ao seu
merecido campeão. Mas vou me ater a uma única jogada, que demonstra o que
significa esse time da Alemanha.
Foi o primeiro gol alemão na
Seleção Brasileira. Uma espécie de símbolo do que é a seleção alemã, uma aula
de planejamento e inteligência. Uma jogada de movimentos ensaiados, que devem
ter sido repetidos à exaustão para que tudo desse certo na hora do jogo.
Pois deu.
Foi a partir daí que o Brasil foi
desmontado feito um brinquedo Lego. Se você conseguir rever o lance no Youtube,
faça-o. Vou descrevê-lo, para ilustrar o que quero dizer.
O escanteio era do lado direito
do ataque alemão. Todos os jogadores da Alemanha que estavam dentro da área
brasileira se posicionaram à altura do primeiro pau, exceto um, que ficou no
segundo. Não lembro quem foi esse, mas o importante é que não era Müller, o
autor do gol. Müller também havia se posicionado à altura do primeiro pau, e
David Luiz o marcava atentamente, com um olho na bola e outro no atacante, como
faz qualquer bom zagueiro numa cobrança de escanteio.
No momento em que o jogador
alemão bateu na bola, no escanteio, as posições de Müller e do alemão no
segundo pau se inverteram. O alemão que estava no segundo pau correu em direção
ao primeiro, arrastando com ele o brasileiro que o marcava. Müller, por sua
vez, correu em direção ao segundo.
David Luiz, que o marcava, não
vacilou: quis também acompanhá-lo, saiu correndo atrás de Müller, mas esbarrou
em um terceiro alemão, que havia se colocado à sua frente. Note: não foi falta:
o alemão simplesmente estava parado, fechando o corredor por onde David Luiz
entraria a fim de marcar Müller. David Luiz, assim, chocou-se com o alemão e
ficou paralisado no meio da área. Se ele insistisse em avançar e derrubasse
aquele alemão que o atrapalhava, seria pênalti.
Enquanto isso, a bola
aterrissava, com simetria germânica, no pé de Müller, então sozinho no segundo
pau. A genialidade desta jogada é que não houve falha de David Luiz. Ele tentou
fazer o certo, tentou agir como recomenda o Manual do Zagueiro Competente. Não
conseguiu. Foi envolvido pela jogada ensaiada da Alemanha, como os Joões de
Garrincha eram envolvidos pelo seu drible que sempre saía pelo lado direito,
mas que era sempre irresistível.
Um show de movimentos precisos.
Um balé. Todos fizeram a sua parte como uma orquestra numa sinfonia: o cobrador
do escanteio fez a bola passar sobre as cabeças de todos os jogadores na grande
área e cair no ponto exato, à altura do segundo pau, no pé de Müller; o jogador
que estava no segundo pau correu para o primeiro no mesmo momento em que Müller
se deslocou para a posição que ele antes ocupava; o jogador que obstruiria a
passagem de David Luiz postou-se milimetricamente no único vão por onde David
Luiz poderia passar; e, por fim, Müller teve sangue frio para enquadrar o corpo
e empurrar a bola para a rede.
Isso não acontece por acaso. Isso
é treino, preparação, planejamento, trabalho duro no dia a dia, nas tardes
monótonas no CT vazio de imprensa, de torcida e de excitação. É repetição,
repetição, repetição. Repetição cansativa, chata, que ninguém gosta de fazer.
Sim, é preciso talento para realizar com sucesso uma jogada dessas. Mas é
preciso, mais do que tudo, esforço e concentração. A vitória alemã não foi
acidental. Foi pensada muito tempo antes, nos campos gelados do Velho Mundo.
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