23
de julho de 2014 | N° 17868
MARTHA
MEDEIROS
Uma vida melhor que a encomenda
Que
dias! Quantas baixas na nossa literatura. Lamentei a morte de João Ubaldo, pois
sempre dói a partida de quem ainda tinha muito a contribuir (a morte de um
grande escritor é sua obra inacabada), e estou compadecida com a fragilidade da
situação do espetacular Ariano Suassuna (em coma até o momento em que escrevo),
porém usarei esta coluna para falar de uma ausência que me tocou mais
profundamente: a do mineiro Rubem Alves, por quem eu tinha enorme afeição não só
pelo que escrevia, mas pelo seu jeito terno, sua desafetação, sua raridade como
ser humano. Quanto mais se grita e esperneia por aí, mais atenção eu dou aos
singulares que brilham em voz baixa.
Domingo
passado, comentei sobre o documentário Eu Maior, em que Rubem Alves também
participou com seu testemunho. Entre outras coisas, ele contou que certa vez um
garoto se aproximou dele para perguntar como havia planejado sua vida para
chegar onde chegou, qual foi a fórmula do sucesso. Rubem Alves respondeu que
chegou onde chegou porque tudo que havia planejado deu errado.
Planejar
serve para colocar a pessoa em movimento. Se não houver um objetivo, um desejo
qualquer, ela acabará esperando sentada que alguma grande oportunidade caia do
céu, possivelmente por merecimento cósmico.
É preciso
querer alguma coisa – já alcançar é facultativo, explico por quê.
Uma
vez determinado o rumo a seguir, entra a melhor parte: abrir-se para os
acidentes de percurso. Você que sonha em ser um Rubem Alves, é possível que já tenha
começado a escrever num blog (parabéns, pôs-se em ação). No entanto, esses
escritos podem conduzi-lo a um caminho que não estava nos planos. Dependendo do
conteúdo, seus posts podem levá-lo a um convite para lecionar no Interior, a
ser sócio de um bar, a estagiar com um tio engenheiro, a fazer doce pra fora, a
pegar a estrada com um amigo e acabar na Costa Rica, onde conhecerá a mulher da
sua vida e com ela abrirá uma pousada, transformando-se num empresário do ramo
da hotelaria.
Não é
assim que as coisas acontecem, emendando uma circunstância na outra?
A
vida está repleta de exemplos de arquiteta que virou estilista, enfermeiro que
virou pastor evangélico, estudante de Letras que virou maquiadora, publicitário
que virou chef de cozinha, professor que virou dono de pet shop, economista que
virou fotógrafo. Tem até gente que almejava ser economista, virou economista,
fez uma bela carreira como economista e morreu economista. A vida é surpreendente.
Ariano
Suassuna largou a advocacia aos 27 anos, João Ubaldo também se formou em
Direito, mas nem chegou a exercer o ofício, e Rubem Alves teve até restaurante.
Tudo que dá errado pode dar muito certo. A vida joga os dados, dá as cartas,
gira a roleta: a nós, cabe apenas continuar apostando.
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