10
de julho de 2014 | N° 17855
MÁRIO
CORSO
Você já foi
síndico?
Numa
conversa, por acaso, os interlocutores se dão conta de que ambos já foram
síndicos. Depois disso, tudo muda, uma confiança mútua invade a cena e dissolve
a tensão. Agora, eles sabem que sua discussão vai ter o respaldo do bom senso,
partilham uma experiência comum que os transformou.
A
provação passou e estão num padrão mais profundo de compreensão do
funcionamento da sociedade humana. Pertencem a uma irmandade que comunga a cura
de muitas ilusões. Eles foram síndicos e sobreviveram.
Por
momentos, o foco da discussão se perde, contam seus casos passados,
experiências entre o bizarro e o anedótico. A fala fica um tanto catártica,
afinal, similares às neuroses de guerra, existem as neuroses de síndico. Estão
compartilhando experiências difíceis e, não menos importante, vendo se o
parceiro está falando a verdade.
Sim,
existem os falsos ex-síndicos, pessoas que não viveram o martírio e querem se
fazer passar por sábios. Querem a carteirinha da nossa legião sem ter feito
esse serviço militar. Mas é só deixar falar, quem nunca passou pelo front logo
se denuncia. É impossível enganar um síndico veterano.
Eu
sei porque já fui síndico, várias vezes, sempre a contragosto, e tenho meu
cartão de sócio. Frequentei as reuniões do grupo de apoio para quando estamos
prestes a surtar, por isso colaboro com a caixa de pensão para os que
enlouqueceram em serviço. Sei dos símbolos herméticos da nossa fraternidade,
recebo os boletins, os bônus de descontos em ferragens, ganhei o software que
calcula exatamente os sobrepreços dos orçamentos, o programa que prevê o dia
certo da reunião de acordo com os biorritmos e TPMs dos moradores, mas não
conto nossos segredos nem empresto nosso arsenal. Quer saber? Quer ter? Vai ser
síndico e espera o convite de um grão-mestre.
Só
um síndico percebe que um xixi de cachorro no corredor envolve uma semiologia
ecológico-política e sua resolução requer a intervenção firme de quem poderia
ser mediador da ONU.
Dizem
que a política é a arte do possível, sim, mas, no caso do síndico, com todos
contra. Não existe piedade nem compaixão pelo síndico. Todos são solidários até
que estoura um cano, cai um disjuntor, emperra o portão. Subitamente a
retaguarda some. Ser síndico é uma aula de solidão.
Ser
síndico é a experiência administrativa mínima, mas permite ganhos máximos em
aprendizado político, gerencial e financeiro. Por isso, e um tanto mais, somos
céticos quando alguém chega com ideias sociais ingênuas, professa a suposta
bondade humana, ou acredita na naturalidade da convergência sobre resultados
quando existe ganho comum. Naquele momento, você sente estar na frente de
alguém que nunca botou a mão na graxa das experiências sociais. Então, eu
pergunto: – Você já foi síndico?
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