sábado, 12 de julho de 2014


12 de julho de 2014 | N° 17857
PALAVRA D0 MÉDICO | J.J. CAMARGO

ALIENAÇÃO FESTIVA

Uma das maiores unanimidades desse período de Copa é, na opinião dos visitantes, a alegria do povo brasileiro.

Se considerarmos o quanto é precária a condição de vida no nosso país, com um índice de desenvolvimento social constrangedor e sem perspectiva próxima de mudança a julgar pela péssima qualidade da educação oferecida no ensino público, cabe a pergunta: essa nossa alegria é uma coisa boa, ou revela que somos apenas uma nação de alienados faceiros?

Essa histórica indiferença aos desmandos reportados diariamente em todas as áreas de serviços públicos, e que afetam diretamente a qualidade de vida dos brasileiros de todas as classes sociais, expressa um conformismo pusilânime com a nossa condição de terceiro mundistas, ou traduz uma lamentável perda da capacidade de indignação pela deprimente percepção de que não temos jeito mesmo?

Nosso passado mostra que somos pacatos na maioria das vezes, porém, em muitas circunstâncias históricas, fomos frouxos.

Depois de tantas manifestações de tibieza, fomos obrigados a glamourizar a história oficial para torná-la palatável. Foi assim nas guerras que perdemos, mas festejamos como se tivéssemos ganho – e na participação na Segunda Guerra Mundial, quando enviamos para a Itália um bando de soldados atemorizados, convencidos de que estavam participando de mais um exercício de tropas e que foram colocados num navio cujo destino apenas o comandante conhecia.

A paixão crescente pelo futebol em muito se explica pela descoberta que, ao menos nesta área, podemos, e já provamos que podemos, ser os melhores do mundo e produzir ídolos que supram a nossa carência crônica de heróis confiáveis.

Recentemente, ficamos muito desconfortáveis quando percebemos que estamos numa entressafra de talentos futebolísticos, e nada deprime mais do que nos descobrirmos inferiores àqueles que estávamos habituados a humilhar com nossos virtuoses em passado próximo.

Além disso, o choque de realidade germânica que sofremos na semifinal mostrou o quanto a falta de um líder capaz de parar tudo para assimilar o golpe pode ser fatal. Porém, ainda assim, durante um tempo, a Copa cumpriu seu papel anestésico.

Enquanto a terceira vértebra lombar do Neymar era mostrada à exaustão, na vida real, a inflação subiu, o PIB desceu, o Demóstenes Torres ganhou o direito de retomar seu cargo de procurador e um diretor da Petrobras declarou que na construção da usina baiana não houve superfaturamento, apenas a estimativa inicial foi subdimensionada e, portanto, o custo previsto para R$ 2,5 bilhões, chegou a R$ 18 bilhões. Nada demais, como se percebe.

O esforço acelerado para cumprir as metas exigidas pela Fifa fez com que nossos governantes, pressionados, mostrassem uma competência insuspeitada e descolassem verbas que jurávamos não existir e que, só por isso, segurança, saúde e educação eram tão precárias.

Agora que a festa terminou e a realidade está tocando na campainha cheia de carnês, dá vontade de pedir à Fifa que se demore um pouco mais e saia na ponta dos pés, porque ficamos mal acostumados com a segurança nas ruas e solicitude dos serviços.


A volta súbita ao mundo a que de fato pertencemos pode ser muito traumática. É difícil assumir que a ilusão colorida das últimas semanas pode ter sido construída sobre as tais estruturas temporárias. E pior: elas serão tristemente removidas depois da segunda-feira porque, afinal, a festa terminou.

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