12
de julho de 2014 | N° 17857
PALAVRA
D0 MÉDICO | J.J. CAMARGO
ALIENAÇÃO FESTIVA
Uma
das maiores unanimidades desse período de Copa é, na opinião dos visitantes, a
alegria do povo brasileiro.
Se
considerarmos o quanto é precária a condição de vida no nosso país, com um índice
de desenvolvimento social constrangedor e sem perspectiva próxima de mudança a
julgar pela péssima qualidade da educação oferecida no ensino público, cabe a
pergunta: essa nossa alegria é uma coisa boa, ou revela que somos apenas uma nação
de alienados faceiros?
Essa
histórica indiferença aos desmandos reportados diariamente em todas as áreas de
serviços públicos, e que afetam diretamente a qualidade de vida dos brasileiros
de todas as classes sociais, expressa um conformismo pusilânime com a nossa
condição de terceiro mundistas, ou traduz uma lamentável perda da capacidade de
indignação pela deprimente percepção de que não temos jeito mesmo?
Nosso
passado mostra que somos pacatos na maioria das vezes, porém, em muitas
circunstâncias históricas, fomos frouxos.
Depois
de tantas manifestações de tibieza, fomos obrigados a glamourizar a história
oficial para torná-la palatável. Foi assim nas guerras que perdemos, mas
festejamos como se tivéssemos ganho – e na participação na Segunda Guerra
Mundial, quando enviamos para a Itália um bando de soldados atemorizados, convencidos
de que estavam participando de mais um exercício de tropas e que foram
colocados num navio cujo destino apenas o comandante conhecia.
A
paixão crescente pelo futebol em muito se explica pela descoberta que, ao menos
nesta área, podemos, e já provamos que podemos, ser os melhores do mundo e
produzir ídolos que supram a nossa carência crônica de heróis confiáveis.
Recentemente,
ficamos muito desconfortáveis quando percebemos que estamos numa entressafra de
talentos futebolísticos, e nada deprime mais do que nos descobrirmos inferiores
àqueles que estávamos habituados a humilhar com nossos virtuoses em passado próximo.
Além
disso, o choque de realidade germânica que sofremos na semifinal mostrou o
quanto a falta de um líder capaz de parar tudo para assimilar o golpe pode ser
fatal. Porém, ainda assim, durante um tempo, a Copa cumpriu seu papel anestésico.
Enquanto
a terceira vértebra lombar do Neymar era mostrada à exaustão, na vida real, a
inflação subiu, o PIB desceu, o Demóstenes Torres ganhou o direito de retomar
seu cargo de procurador e um diretor da Petrobras declarou que na construção da
usina baiana não houve superfaturamento, apenas a estimativa inicial foi
subdimensionada e, portanto, o custo previsto para R$ 2,5 bilhões, chegou a R$ 18
bilhões. Nada demais, como se percebe.
O
esforço acelerado para cumprir as metas exigidas pela Fifa fez com que nossos
governantes, pressionados, mostrassem uma competência insuspeitada e
descolassem verbas que jurávamos não existir e que, só por isso, segurança, saúde
e educação eram tão precárias.
Agora
que a festa terminou e a realidade está tocando na campainha cheia de carnês, dá
vontade de pedir à Fifa que se demore um pouco mais e saia na ponta dos pés,
porque ficamos mal acostumados com a segurança nas ruas e solicitude dos serviços.
A
volta súbita ao mundo a que de fato pertencemos pode ser muito traumática. É difícil
assumir que a ilusão colorida das últimas semanas pode ter sido construída
sobre as tais estruturas temporárias. E pior: elas serão tristemente removidas
depois da segunda-feira porque, afinal, a festa terminou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário