19 de julho de 2014 | N°
17864
NÍLSON SOUZA
PÃO ENVENENADO
Ganhei um pão caseiro recheado de
goiabada. Voltava de uma demorada (e monótona) reunião de trabalho quando fui
interceptado no corredor da Redação pelo menino da recepção.
– Mandaram este lanche para o
senhor! Recebi o pacote e senti que ainda estava quente. Procurei alguma
mensagem anexada, mas nada constava. Perguntei ao garoto:
– Mas a pessoa não deixou nome?
Não disse quem era?
Nada. A aparência do pão era
maravilhosa. Corado, fofinho, irresistível. Tratei de conseguir uma faca e logo
me pus a cortá-lo em fatias. Meus colegas de sala ainda fizeram aquela clássica
advertência, em tom de gozação:
– Olha que pode estar envenenado!
Estava mesmo. Envenenado de
afetividade, de carinho, da imensa ternura de quem dedica seu tempo e seu
engenho à alquimia do pão. Uma preciosidade daquelas não surge ao acaso. É
preciso que mãos mágicas misturem o fermento e a água, depois coloquem farinha,
gordura e açúcar nas doses exatas.
Por fim, há que sovar, deixar a
massa crescer, colocar no forno e acompanhar o cozimento até um ponto capaz de
satisfazer todos os gostos. Em algum momento desse processo, que desconheço,
entra a goiabada e dá um sabor especial ao preparado.
Ao ouvir o primeiro “humm” de
minha boca cheia, meus colegas se aproximaram e também participaram do
banquete. Todos adoraram o pão anônimo, que chegou quentinho e de forma
misteriosa no meio da tarde.
Jornalista, até pela natureza de
seu ofício, deve mesmo flertar com a desconfiança. Nem sempre se pode ser
mensageiro de boas notícias. Mas nem a madrasta da Branca de Neve se daria ao
trabalho de preparar um pão tão gostoso para lançar o seu feitiço.
No final da tarde, um telefonema
esclareceu o mistério. O pão com goiabada foi deixado na portaria por um
parente próximo, que resolveu me surpreender com a gostosura preparada por sua
esposa. Estava mesmo recheado de amor fraterno.
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