sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014


07 de fevereiro de 2014 | N° 17697
EDITORIAIS

O DESCONFORTO DO AUTORITARISMO

É inegável que o programa Mais Médicos, pelo qual o governo brasileiro trouxe profissionais estrangeiros para atender áreas carentes, está produzindo resultados positivos. Ainda assim, não há como esconder o desconforto do acordo firmado com Cuba para que cidadãos daquele país trabalhem no Brasil. Desde o começo do programa, as bases do modelo de prestação de serviços foram questionadas, e a controvérsia está de volta com o episódio da deserção da médica Ramona Matos Rodríguez. 

A profissional decidiu que não mais irá atuar no programa brasileiro e que tampouco pretende retornar a Cuba, sob os mais diversos argumentos. Todos devem ser levados em conta, para que o governo, o Congresso e outras instituições com a atribuição de fiscalizar iniciativas como o Mais Médicos corrijam seus desvios.

Ao decidir pedir asilo, a médica apontou alguns aspectos que evidenciam arbitrariedades contidas no acordo entre as autoridades nacionais e cubanas. O aspecto mais ressaltado é o de que, a partir do momento em que aderem ao projeto, os médicos acabam se transformando, com suas famílias, em reféns do que ficou acertado entre os governos. Os profissionais vêm sozinhos para o Brasil, sem a possibilidade de trazer familiares, têm restrições no uso de passaportes e recebem como remuneração uma parcela mínima do total pago à Cuba.

Ramona Rodríguez informou que receberia mensalmente o equivalente a US$ 400 enquanto estivesse no Brasil e mais US$ 600 quando retornasse a Cuba, enquanto o governo brasileiro pagaria um total de R$ 10 mil por profissional a Cuba. É sabido que os governos dos dois países têm argumentado que o programa não envolve contratos diretos do Brasil com os médicos como pessoas físicas. O acerto entre governos teria a intermediação da Organização Pan-Americana de Saúde, e caberia ao governo cubano, depois de receber pelos serviços, remunerar os médicos. O argumento, também repetido, é o de que estes são servidores públicos de Cuba.

Todas essas desculpas não eliminam questionamentos que se reafirmam com a situação criada pelo pedido de asilo. É evidente que o Brasil, ao aceitar as condições cubanas, é cúmplice de distorções graves nas relações do governo daquele país com seus cidadãos, enquanto desfruta de seus serviços. Não há como compactuar com o fato de que os profissionais são totalmente tutelados pelos governantes. É no mínimo desigual a fórmula adotada para a remuneração dos médicos, quando se sabe que o governo lhes destina um pequeno percentual do que recebe.

Um programa criado para socorrer comunidades do Interior, onde a falta comprovada de médicos desampara populações inteiras, não pode se submeter a meios ética e socialmente questionáveis para chegar aos resultados planejados. Até agora, o Mais Médicos tem o reconhecimento dos usuários do SUS, mas não há como ignorar a realidade denunciada no pedido de asilo, nem mesmo sob o argumento de que é apenas um caso isolado.


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