22 de fevereiro de 2014
| N° 17712
NÍLSON SOUZA
O charme do ocaso
Lembranças são sonhos
contaminados pela realidade. Os adultos sonham, os velhos lembram e os jovens
vivem. Talvez, por isso, as melhores lembranças dos velhos sejam retiradas
exatamente da faixa etária entre a adolescência e o início da idade adulta. Não
inventei isso.
A constatação vem de uma pesquisa da universidade de New
Hampshire, que entrevistou um grupo de aposentados entre 59 e 92 anos para
saber quais eram as suas lembranças mais importantes. Convidados a contar suas
histórias de vida em 30 minutos, os entrevistados ressuscitaram
predominantemente lembranças de fatos ocorridos quando tinham entre 17 e 24
anos – descartando a infância e praticamente desconsiderando a chamada idade
madura.
Não sei a que conclusão chegaram
os pesquisadores norte-americanos, mas tenho as minhas teses a respeito do
assunto. Primeiro, acho que a gente gosta de lembrar daquilo que gostou de
fazer. Então, já me contesta o menino perguntador que ainda carrego, deveríamos
lembrar mais da infância. Não é bem assim, respondo. Era bom brincar e não ter
responsabilidade, mas talvez não fosse tão prazeroso assim ser mandado, ter
medo, depender dos adultos para saber o que fazer. Na hora do inventário, a
infância fica apenas com pequenas relíquias de valor afetivo. Ainda assim, altero
um pouco a tese: a gente gosta de lembrar de fatos de que fomos efetivamente
protagonistas, porque assim o decidimos.
Os velhinhos da pesquisa citaram
como capítulos inesquecíveis de sua vida primeiro emprego, entrada para a
faculdade, experiência militar, namoro, casamento, nascimento dos filhos e
outros acontecimentos característicos da transição entre juventude e idade
adulta.
Claro que isso é uma
generalização. Muita gente deve ter coisas importantes para contar depois dos
30 anos, até mesmo porque os grandes acontecimentos da vida têm sido
propositadamente adiados por conta da maior longevidade das atuais gerações.
Mas é raro que alguém inclua entre suas melhores lembranças um fato ocorrido na
velhice.
Cândido Norberto, saudoso
companheiro que frequentou até os seus penúltimos dias esta Redação agora
repleta de jovens, costumava caminhar lentamente entre as nossas mesas de
trabalho e dizer:
– Aproveitem a vida, que a
velhice não tem nenhum charme.
Era uma provocação, percebo
agora. Tem o charme das lembranças que a gente administra como melhor nos
serve. Eu, por exemplo, gosto de lembrar com o maior carinho do Cândido e de
suas observações inteligentes, divertidas, desafiadoras. E olha que ele entrou
na minha vida bem depois dos 24 anos.
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