FERREIRA
GULLAR
Mudaria o Natal ou mudei eu?
O que resta daquele partido que
nasceu para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua?
Amanhã, dia 10 de fevereiro, o
Partido dos Trabalhadores completa 34 anos de fundação. Esse fato me levou a
perguntar se esse partido se manteve fiel aos princípios ideológicos que
determinaram sua fundação e se, durante tantos anos no governo, realizou o que
prometera a seus eleitores.
Antes de tentar responder a essas
questões, devo advertir o leitor de que sei muito bem que as coisas mudam e é
comum um partido político não cumprir com o que prometeu e desviar-se dos
princípios que lhe deram origem. O que me interessa aqui é verificar o que
mudou, se é que mudou, e por quê. Para chegarmos a isso, é imprescindível
conhecer o documento de fundação do partido.
No caso do PT, esse documento é o
manifesto de 21 de outubro de 1980, em que o novo partido se apresenta como
porta-voz das "grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação" e
que querem agora "falar por si próprias".
Mas não apenas falar, elas
pretendem, segundo o documento, criar "uma sociedade que responda aos
interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo".
Consequentemente, o PT "nasce da decisão dos explorados de lutar contra um
sistema econômico e político que não pode resolver seus problemas, pois só
existe para beneficiar uma minoria de privilegiados". Esse sistema seria
substituído por "uma nova forma de democracia", "onde não haja
nem explorados nem exploradores".
Explicitado o que diz esse
manifesto, o novo partido, que nascia então, tinha por objetivo criar uma
sociedade dirigida pelos explorados (ou seja, pelo proletariado), e não pelos capitalistas,
e assim constituir uma nova democracia, governada por um partido único, cujo
objetivo seria a sociedade sem classes.
Trata-se, portanto, de uma versão
dissimulada do manifesto comunista de 1848. O novo partido era, portanto,
incompatível com o capitalismo, tanto assim que, em 1988, quando foi promulgada
a nova constituição democrática, o PT se negou a assiná-la, alegando que ela
não correspondia a seus objetivos políticos.
Essa atitude antidemocracia
burguesa prevaleceu na pregação do PT até as eleições de 2002, quando, após
sucessivas derrotas eleitorais, abaixou o tom e aliou-se a setores da burguesia
para ganhar as eleições presidenciais que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva
presidente da República.
No governo, Lula adotou o mesmo
jogo duplo que nas eleições, ou melhor, aprofundou-o: enquanto dava Bolsa
Família aos explorados, usava o BNDES para emprestar dinheiro público, a juros
abaixo do mercado, aos exploradores capitalistas.
Mas, como não podia ignorar os
compromissos assumidos em favor da "nova democracia" nem do projeto,
implícito no manifesto, de nunca mais deixar o poder, passou a comprar os
partidos da base parlamentar com dinheiro público, para não lhes conceder
ministérios ou direção de empresas estatais. Essa compra de parlamentares virou
um escândalo que ficou conhecido como mensalão. Lula, depois de admitir que
aquilo era verdade, afirmou que se tratava de caixa dois, o que todos os
partidos faziam. E assim, conforme as próprias palavras do seu líder, o PT se
tornara um partido igual aos demais. Deixara de ser revolucionário, tornando-se
corrupto como muitos outros.
Mas isso não ficou nas palavras
de seu líder máximo, pois se tornou verdade por decisão da Suprema Corte de
Justiça do país, que condenou algumas das principais figuras do PT por
peculato, formação de quadrilha e outros crimes.
Lembram-se da campanha feita pelo
PT contra a privatização da Telefônica? Pois é, isso fazia parte de seus
princípios anticapitalistas e, por isso mesmo, Lula e Dilma tudo fizeram para
não privatizar as rodovias, os portos e aeroportos. Agora, em face da crise que
ameaça a economia do país, Dilma foi obrigada a se dobrar à realidade e violar
o princípio ideológico do partido.
E a aliança com os partidos
burgueses, ruralistas e evangélicos? Seria essa a nova democracia de que falava
o manifesto de 1980? A pergunta, pois, é o que resta daquele partido que nasceu
para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua: Dilma foi a Davos para
mostrar lealdade aos princípios que regem o capitalismo e, em seguida, a Cuba
para limpar a barra.
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