ANTONIO PRATA
A pátria de ponteiros
Quando o brasileiro diz 'tô
chegando!', em quanto tempo, exatamente, o brasileiro chega?
Numa demonstração de abertura e
inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente,
ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não. Por
conta do seu trabalho --instala e conserta máquinas de tomografia
computadorizada--, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava, no
Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros.
O problema
era menos o atraso, confessou, do que nossa dificuldade em admiti-lo: "O
pessoa manda mensagem, diz tô chegando!', eu levanta do minha cadeirrra e olha
prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só quarrrenta minutos
depois". Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de
Emanuel Kant: "Quando a brrrasileirrro diz tô chegando!', em quanto tempo
brrrrasileirrro chega?".
Pensei em mentir, em dizer que
uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa
dignidade --ali, naquela mesa, eu era a "pátria de ponteiros"-- o
melhor seria falar a verdade: "Fritz, é assim: quando o brasileiro diz tô
chegando!' é porque, na real, ele tá saindo". Tentei atenuar o assombro do
alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao pôr o pé pra fora de casa
dá-se início ao processo de chegada, assim como ao sair do útero se começa a
caminhar para a cova. É só uma questão de perspectiva.
"Mas e quando o pessoa diz
tô saindo!'?" Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao
atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade --são uma manifestação do
seu desejo. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que
tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar
comida pro cachorro.
Fritz ficou pensativo. Uma morena
entrou no bar e percebi certa reverberação nos hormônios teutões. Era a chance
de mudar de assunto, mas eu havia sido mordido pela mosca da sinceridade e
resolvi ir até o fim: revelei que, além do "tô chegando!" e do
"tô saindo!", ele teria de aprender a lidar com "chego em
15!" e "cinco minutinhos!".
"Chego em 15!" é
sinônimo de "tô chegando!": quer dizer que o patrício está saindo.
Quinze minutos é o tempo mágico que o brasileiro acredita gastar em qualquer
percurso --a despeito da experiência, da Sulamérica trânsito e do Waze. Da
Mooca pra USP? "Chego em 15!" De Santo Amaro pra Cantareira?
"Quinze!" Mais uma vez, não é propriamente mentira. Se pegássemos
todos os faróis abertos e todos os carros saíssem da nossa frente, em tese, vai
que...?
Já o "cinco
minutinhos!" é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o brasileiro
está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes, cinco
minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora: há casos,
até, menos raros do que se imagina, em que a pessoa a cinco minutinhos jamais
aparece.
Fritz ficou olhando o chope,
contemplativo, imaginando, talvez, na espuma branca, a tomografia multicolor
desses cérebros tropicais. Senti que, agora sim, era o momento de mudar de
assunto, de mostrar ressonâncias, digamos, mais magnéticas do nosso país.
Chamei o garçom. "Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um
tempinho..." "Tá chegando, amigo, tá chegando!"
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