19 de fevereiro de 2014
| N° 17709
LUCIANO ALABARSE
Lembranças ao pé do ouvido
O Brasil está pegando fogo, e não
se credite o incêndio pátrio tão-somente às tórridas temperaturas que assolam o
país. Radicais de credos diferentes se encarregam de forçar uma nova ordem onde
apenas suas ideias e práticas devem prevalecer. De direita ou de esquerda, não
admitem o contraditório ou a sociedade organizada. Tanto faz se perseguem
índios e homossexuais em discursos parlamentares ou pleiteiam a implantação de
um outro país em plena Cinelândia carioca.
O presente não aponta, nem de
longe, o melhor dos mundos para um cidadão brasileiro.Talvez por isso, pulei da
cama ao ouvir o som pré-histórico, trazendo da infância a melodia perdida, o
som de um afiador de facas. Remexi gavetas recolhendo às pressas talheres e
tesouras e, quando o homem chegou, lá estava eu com um monte de bugigangas na
mão, resgatando o menino que, décadas atrás, seguia atento os movimentos que
soltavam faíscas, muito diferentes das que assassinaram o cinegrafista Santiago
Andrade em seu trabalho. Naquela época, a dos afiadores de facas, o céu era
muito alto, o mundo muito comprido e a rua muito grande.
Como disse Fernanda Montenegro,
demoramos a chegar inteiros dentro de nós mesmos, e muitos, digo eu, apesar do
esforço, jamais o conseguem. No instante-já apontado por Clarice, com as facas
afiadas na mão e um sorriso saudosista nos lábios, escutei Caetano cantando
Mãe, uma de suas músicas mais tristes. As canções tristes de Caetano, aliás,
são as mais tristes do mundo. Em uma canção recente, aquela do “lugar mais frio
do Rio é o meu quarto”, ele pergunta: “Por que será que existe o que quer que
seja?” Os radicais que pregam o apocalipse nacional teriam muito a aprender
ouvindo o compositor.
Guardei as tesouras, tirei o
baiano do aparelho de som, e fui ouvir o disco que, um dia antes, havia ganhado
de presente. Disco novo e música boa sempre renovam minha fé na humanidade. E
se você está à procura da batida perfeita, saiba que em Canção para Voar, novo
CD da Vanessa Longoni, a gaúcha gravou uma das mais belas canções dos últimos
anos, Fast Folhinha, do Totonho Villeroy.
Cantada em dueto com Serginho
Moah, é uma canção perfeita. Seguida de perto por Hojas de Tilo, da
“cantautora” uruguaia Ana Prada, o disco valeria apenas por essas duas canções
e obrigatoriamente deverá frequentar as listas dos melhores do ano. Outro disco
de pegada arrebatadora é o Intermitente, da Monica Tomasi, com um hit pronto
pra tocar no rádio, Pode Ser que Eu Ame Você, que gruda no ouvido feito
chiclete. Boa música foi o que o Nico Nicolaiewsky nos deu durante toda sua
vida e, por isso, o guardarei no coração e no ouvido. Para sempre.
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