10 de fevereiro de 2014
| N° 17700
LIBERATO VIEIRA DA
CUNHA
A luz do céu profundo
Apesar de todo o indescritível
calor deste início de ano – não me lembro de nada remotamente parecido, a não
ser o verão europeu de 1982 –, continuo caminhando todos os dias. É algo que me
faz bem ao coração e não me desgosta a alma. Mas ao invés de percorrer
infindamente as ruas do Centro Histórico, uma escolha que já aprendi o quanto
pode ser perigosa, tenho preferido as praças e os parques, em especial os
dotados de uma solidão bem povoada.
É reconfortante observar quantos
cavalheiros e damas dessa idade que hoje já não é mais velhice correm pelas
alamedas, quantos jovens se entregam a jogos de ternura explícita nos gramados,
quantas deusas expõem o corpo em dourada oferenda ao sol.
Mas não é apenas a paisagem
humana que me atrai. Gosto de acompanhar o vôo dos pássaros, muito
particularmente aqueles que sempre me esconderão o nome, mas não os matizes da
coloração brilhante – Porto Alegre os chama, pois nenhuma outra cidade destes
tristes trópicos ardentes possui mais espaços verdes, uma cortesia que eles
devem a políticos sérios, como meu amigo Guilherme Socias Villela.
E amo as árvores.
Privo da companhia de algumas há
séculos, como esta paineira que me dá o prazer de sua vizinhança bem aqui
diante de minhas sacadas, os flamboyants do jardim dos Chaves Barcellos, os
jacarandás da Rua João Manoel. Meus conhecimentos das delicadas espécies vão um
pouco além. Sei distinguir um araçá amarelo de seu primo vermelho mesmo quando
não estão florescendo. Reconheço facilmente uma caliandra, uma casuarina (havia
muitas na Granja da Penha, território de minha infância), uma cerejeira.
Sei o que é uma palmeira
seafortia, um pau-ferro, um plátano (havia um no pátio maior de recreio de meu
colégio). Também, independente da ronda das estações, não falho ao precisar o
que é um ipê-branco e um ipê-roxo, um guapuruvu e um guatambu, um cipreste-vela
e um cipreste-verde.
Alguma doce, gentil leitora que
me seguiu até aqui há de se perguntar neste momento de que me servem esses
triviais conhecimentos.
Ao que respondo que de nada.
Entreguei antes que amo as árvores. E as melhores coisas que a gente aprende a
amar são aquelas de que nunca iremos precisar, a não ser, talvez, por momentos
baldios, num parque, numa praça, sob a luz do céu profundo.
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