Jaime
Cimenti
Ele se acha
Ele
se acha. Se acha, imodestamente, pai de Deus ou, no mínimo, o melhor presente
de Deus para a humanidade. Tipo no título
e nos versos da famosa canção celebrizada por Carly Simon, ele é muito, muito
vaidoso e entra numa festa como se estivesse entrando no iate do dono do maior
poço de petróleo do planeta. Ele se acha. Seu ego não cabe no oceano Pacífico,
e ele não se enxerga. Ou só se enxerga no baita espelho do mar, o que dá no
mesmo.
Ele
provavelmente não vai ler esta modesta crônica, mas se, por acaso, botar os
olhos nela, vai ter certeza que o assunto é ele. É tudo com ele. Ele é tudo. Quem
mais poderia ser? Ele é o assunto do dia, da noite, das semanas, dos meses e
dos anos. Ele acha que vai ser o assunto dos séculos e que a revista Time vai
botá-lo na capa como o homem dos três milênios, acima de Jesus Cristo e São
Francisco de Assis.
Ele
foi feito para ser amado, odiado, falado, comentado, xingado, elogiado,
interpretado, fotografado, criticado,
feito até para causar indiferença em alguns poucos pobres-coitados
desconectados. Ele se acha o caminho, a verdade, a luz, o sol, a lua e as
estrelas. No seu dicionário, a palavra limite dançou faz séculos. Ele acha que
nem o céu é limite para ele. No fundo, lá na última hora do domingo de chuva,
ele sabe que é um anjo de uma asa só, que precisa dos outros para voar. Ele
sabe bem que é os outros, que, mesmo sendo o protagonista, não aguentaria uma
plateia vazia.
Ele
sabe que, no final, junto com os peões, os bispos, os cavalos, as torres, os
reis e as rainhas, todos vão para a mesma caixa. Ele sabe, ele até diz isso,
mas, no fundo, continua se achando, forte, frágil, inseguro e cheio de dúvidas,
como quase todo mundo. Mas ele precisa se achar, para que os outros digam que
ele se acha e falem bem e mal dele em Brasília, no Rio de Janeiro, em São
Paulo, na Padre Chagas, no Lindóia, no
Parque Germânia, na Rua da Praia, no Parque dos Maias, no Humaitá e em todos os
lugares do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo.
Ele
não cabe em si e muito menos no universo. Ele acha os portenhos humildes demais.
Ele sabe de sua missão divina, é consciente do seu papel fundamental no teatro da história do mundo e
que precisa continuar se achando, para não ficar perdido em meio às areias e à pátina
do tempo. Se encontrá-lo, diga que o acha assim ou assado, que ele é muito mais do que máximo, que ele dá vida a muitas
vidas e conversas.
Diga
que gosta muito de Deus, o filho querido dele, que nos legou isso tudo. Diga
que ele existe, sempre existiu e sempre
existirá, como as pedras.
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