16 de fevereiro de 2014
| N° 17706
FABRÍCIO CARPINEJAR
Chave do carro
Ao perguntar para o homem se ele
quer dirigir seu carro, a mulher se mostra apaixonada. Perdidamente
interessada.
É um pedido implícito de namoro.
Ninguém está bêbado, estão se
conhecendo, sóbrios das palavras e sussurros, e ela concretiza esta prova de
amor.
Entrega a chave sorrindo, como se
fosse um prêmio de loteria federal.
Não é uma artimanha da sedução,
um teste para ver se ele dirige bem ou não, para classificar ou desclassificar
o sujeito.
O pretendente talvez seja um
péssimo motorista, um barbeiro, com mais de 20 pontos na carteira, nada mudará
a natureza da declaração.
Ela não se preocupa com o que vai
acontecer, porque dentro dela já aconteceu. Não há acidente que interrompa a
escolha de seu coração.
Quando uma mulher oferece seu
carro — e só a mulher —, é que ela se entregou para a história.
É quando duplica sua alma. É
quando se confessa vulnerável. É quando se anuncia disposta a construir uma
vida a dois.
É mais do que um “eu te amo”, é
um “não tenho mais reservas com você, não tenho mais segredos, não tenho mais
medo”.
Ela vem a dizer que aquilo que é
dela é também dele. Ela vem a dizer que ele pode guiá-la, que pode cuidá-la,
que pode levá-la para o mau caminho, tanto faz o fim, pois chegaram ao destino
no momento em que se encontraram.
A chave do carro é mais
importante do que a cópia da chave do apartamento.
Porque o carro não é o mundo para
a mulher, como é para o homem. Não é aventura para a mulher, como é para o
homem. Não é ostentação para a mulher, como é para o homem. Não é um
investimento e senha bancária para a mulher, como é para homem.
Na perspectiva feminina, o carro
é extensão de sua personalidade, conquista afetiva, intimidade. É seu quarto,
seu guarda-roupa, seu salão de beleza móvel.
Ela não tomará a atitude
intempestivamente. Foi um gesto pensado, ponderado, maduro.
Alcançará o posto como um convite
psicológico para que ele assuma o ponto de vista dela.
É o equivalente a “ponha-se no
meu lugar” e “olhe por mim e através de mim”.
Não tem machismo envolvido, não é
fraqueza educada. Trata-se de um sinal de confiança.
É um ato de muita coragem, um
mergulho consciente nas inconsequências da paixão.
Talvez conte com seguro do
veículo, mas dificilmente terá seguro para cobrir o relacionamento. E ela não
se importa.
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