sábado, 22 de fevereiro de 2014


22 de fevereiro de 2014 | N° 17712
PAULO SANT’ANA

Minha embalagem

Noto que a natureza foi perfeita com os humanos: ela nos envelopou na derme e colocou por cima do pacote uma epiderme.

E nós saímos pelo mundo com a nossa derme e a nossa epiderme crescendo de tamanho desde que fomos crianças.

E o meu pacote, como o de todos os seres humanos, contém pâncreas, intestinos e um conjunto espetacular de ossos que me movimenta e me faz enfrentar a vida.

Meu pacote é tão perfeito, que ele tem inúmeras aberturas, nos olhos, no nariz, nos ouvidos, na boca etc.

Isto é, tudo que expiro ou inspiro o faço por essas aberturas.

E onde não tenho que expelir ou impelir nada, por aí, a maior parte do meu corpo, minha embalagem, é muito bem acondicionada pela pele. Sendo assim, não ando por aí perdendo pedaços ou me desengonçando, meu invólucro epidérmico é de uma eficiência a toda prova.

E, quando por acaso a minha pele se rompe, logo em seguida ela volta para o lugar mediante medicamento ou intervenção médica.

Convivo com minha pele há 74 anos e não tenho nenhuma queixa dela, a única parte dela que me incomodou sempre é aquela onde nascem os fios de barba, seguidamente tenho de cortá-los ou raspá-los, nunca fiz isso no entanto nas demais partes do corpo, meus braços, minhas pernas, minhas axilas, apesar de verem crescidos seus pelos, nunca tive necessidade de cortá-los.

Interessante é que alguns de meus ossos se movimentam incessantemente, como os maxilares, os joelhos, os cotovelos. Nem por isso rompem a embalagem, a derme e a epiderme se acostumaram rapidamente ao movimento dos meus ossos e permanecem íntegras normalmente.

No entanto, por vaidade ou por funcionalidade, nós, humanos, cobrimos nossa epiderme com muitos utensílios, caso das roupas, dos calçados, dos chapéus.

E notem que temos a preocupação, sempre que escondemos algumas partes de nossa epiderme, de sermos elegantes.

As unhas, por exemplo, correm por cima de nossa epiderme e cuidamos delas com afinco, pintando-as com esmalte, cortamo-las, além de termos o cuidado de mantê-las limpas.

Certa vez, vi em Estrela um andarilho que nunca havia cortado as suas unhas dos pés e das mãos, elas já mediam quase 30 centímetros de comprimento e se enrodilharam.

Perfeita a nossa embalagem. Alguns gostam de no verão tornar a nossa embalagem bronzeada, está provado que a pele humana necessita de sol, mas não muito, que isso pode prejudicar nossa saúde.

Gosto muito do papiro em que sou envolvido. Ele me foi desenhado com apuro, se adapta a meus dedos, a meus lábios, a meus ouvidos, serpenteia todo o meu corpo com lhana desenvoltura.


E imagino que meus ossos todos, desde os artelhos até o fêmur, não têm nenhuma queixa da minha pele, ela os guarda com vigilância fiel.

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