sábado, 8 de fevereiro de 2014


09 de fevereiro de 2014 | N° 17699
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

VOCÊ SABE O QUE SUA MULHER FEZ?

Entre as minhas ignorâncias várias estava a de não saber da existência dos beliebers. Descobri isso indo para os Estados Unidos, mas esse... movimento?... é movimento? Seja. Esse movimento existe no Brasil também. Existe em grande parte do mundo, vasto e estranho mundo.

Beliebers. Uma contração em inglês de “eu acredito em Justin Bieber”. Como quem acredita em Jesus, por exemplo. Isso significa que Justin Bieber tem seguidores. Ou apóstolos. Algo assim.

Nunca pensei que tal fenômeno fosse possível. Justin Bieber sendo um guru, um farol de sabedoria, um pastor a guiar seu rebanho que o segue balindo, fiel, amoroso, agradecido.

Entendo a devoção das pessoas por músicos. A música toca direto nos sentimentos, e é difícil quem não se deixe enlevar por uma melodia que desperte nostalgia, tristeza, excitação ou euforia. Mesmo os mais inteligentes se comovem com a música e passam a amar os músicos sem que eles precisem falar, só cantar ou tocar. Nietzsche era uma espécie de devoto de Wagner. Conheceu-o, tornou-se meio que um discípulo dele, mas, depois da convivência mais próxima e da decepção, acabaram rompendo, e Nietz passou o resto da vida falando e escrevendo mal do seu antigo ídolo.

Peninha, o Eduardo Bueno, ama Bob Dylan. Mas AMA, de suspirar com o olhar perdido no vento. O Peninha é um homem de paixões, vide seu afeto explosivo pelo Grêmio.

E há mulheres maduras que se rasgam pelo Rei, ou pelo Chico, ou por Beatles e Rolling Stones.

Certo.

Mas Justin Bieber?

Como a mulher leviana, Justin Bieber não parece merecedor de amores imortais. No entanto, há quem o ame, que faça sacrifícios por ele e que, oh, tempora!, oh, mores!, mate-se por ele. Sério: pessoas se suicidaram por causa de dissabores vividos por Bieber, como sua recente prisão por excesso de velocidade.

Agora reflita sobre essa informação, perplexo leitor: alguns jovens se suicidaram, ou tentaram o suicídio, motivados por vicissitudes enfrentadas por Justin Bieber. Nos Estados Unidos existe até um serviço assistencial que tenta convencer as pessoas a não se matarem por causa de Justin Bieber.

O que deve ser tarefa muitíssimo pedregosa. Afinal, quem tenta se matar por causa do Justin Bieber deve ser alguém de convicção sólida. Não consigo nem imaginar o que eu argumentaria para convencer essa pessoa a não se matar por causa do Justin Bieber. É provável até que acontecesse o contrário: ela me provaria que estava certa e eu cederia:

– Tá bem. Morra por causa do Justin Bieber.

É lógico que você chegou à mesma conclusão que eu: o mundo se divide em pessoas que tentam o suicídio por causa de Justin Bieber e pessoas que não tentam o suicídio por causa de Justin Bieber. Isso é óbvio.

Digamos que você esteja no segundo grupo. E que daqui há 10 ou 20 anos você conheça um belieber sobrevivente. Ou seja: alguém que tentou se matar por Justin Bieber e não conseguiu, ou foi convencido a não fazê-lo. Esse belieber suicida vivo pode se tornar seu vizinho, ou seu chefe, ou seu sogro, ou sua namorada.

Pode influenciar sua vida, pode modificá-la, pode ser decisivo para você, e talvez você nunca descubra que aquela pessoa é um belieber suicida vivo. Você já pensou nisso? Já pensou no tanto que não sabe sobre a pessoa que está ao seu lado? Já pensou que existem informações fulcrais sobre, digamos, o seu cônjuge, que ele jamais deixaria que vazassem, sobretudo para você?

Olhe para a mulher que está agora ao seu lado, ronronando. Você sabe tudo o que é importante sobre ela? Tem certeza? Como ela se comportaria num momento de crise? Pense bem.

É por isso que tanta gente se surpreende ao fim de um relacionamento. Antes é tudo tão belo, tão... lógico. Mas, de repente, aquela mulher que era toda paixão se transforma numa estranha, em alguém que você não reconhece, às vezes fria e indiferente, às vezes perigosamente hostil. Aí vem um amigo e finalmente revela:

– Não queria te dizer antes, mas ela é uma ex-belieber.

Eis! Eis! Por que ninguém contou isso antes? É assim, quem mais tem interesse é sempre o último a saber.

A cítara

A música acalma os loucos e as feras. Mesmo. Meu xará de 30 séculos atrás, o rei David, antes de ser rei, quando menino, 17 anos de idade, ele servia ao primeiro rei de Israel, Saul. Este Saul, no começo ele era um monarca justo, mas aos poucos foi ficando neurótico, como sói acontecer com monarcas. Era tomado por acessos de fúria que só se aplacavam quando ouvia a suave melodia da cítara. Bem. David era exímio tocador de cítara, e foi convocado para acalmar o rei. E conseguia, até que se meteu a matar filisteus.

Então, as mulheres, nas ruas da cidade, cantavam: “Saul matou mil, mas David matou dez mil!” Assim como a música da cítara acalmava o rei, a musiquinha das ruas o irritava. Por duas vezes, Saul atirou uma lança contra David, quando David tocava para ele. David esquivou-se das lanças, acabou fugindo, rebelando-se e tornando-se ele próprio rei.

Esse foi o caso louco.

O violino

Agora as feras.

Na cidade em que morava Schopenhauer quando menino havia um armazém que, à noite, era guardado por cães ferocíssimos. Um dia, um violinista bêbado fez uma aposta em um bar e, para pagá-la, pulou o muro do armazém e o invadiu, trocando pernas. Em um segundo, viu-se cercado pelos monstros, que rosnavam com os dentes afiados à mostra, prontos para dilacerá-lo até que virasse guisado. O que fez o violinista bêbado? Teve presença de espírito para sacar de seu instrumento e tocar. Tocou, tocou, tocou, até que os cachorros se aninharam a seus pés, mansinhos como hamsters.


Sabia tocar pra cachorro, aquele rapaz.

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