sábado, 22 de fevereiro de 2014


23 de fevereiro de 2014 | N° 17713
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

Aconteceu NO VERÃO

Sua mesa era pequena, mesa para dois, colada à parede do bar. Ela bebia um copo de cerveja e, às vezes, num gesto casual, espetava com um palito azeitonas pretas ou cubos de queijo amontoados num pires.

Era terça-feira. Noite de tango no Odeon.

O bandoneonista, o velho Rafael, pequeno e encurvado debaixo de seus cabelos totalmente brancos, parecia remoçado, parecia um adolescente, agora que se deleitava ao tocar seu instrumento e ao ouvir os aplausos dos poucos clientes do bar. E Dionara, a pianista, Dionara se transformava em uma diva do Prata quando os dedos corriam sobre as teclas brancas e pretas.

Ela, a moça da mesa ao lado, ouvia a música sozinha e calada, e bebia sem pressa a sua cerveja. Tinha um rosto bonito, os cabelos presos num coque amarrado na nuca e vestia-se como se estivesse em casa: uma camiseta larga sobre as calças jeans. Depois de alguns minutos, colheu o copo da mesa, levantou-se e caminhou até a porta. Parou na calçada. Encostou-se à parede do bar. Apoiou o copo numa espécie de guarda da porta e acendeu um cigarro.

Ficou olhando os músicos, ouvindo o tango, fumando. O vento lhe desalinhava os cabelos, e ela vez ou outra enchia os pulmões com o ar da noite. Em meio a um tango mais triste, entre tantos tangos tristes, ela entreabriu os lábios e seu rosto enrubesceu de leve. Então, vi. Seus olhos ficaram rasos d’água. Não chegou a chorar. Quase. Mas não chegou a chorar. Terminado o tango, ela voltou à mesa colada à parede, pediu a conta, pagou e saiu em silêncio, carregando, devagar, o peso da sua nostalgia.

Na piscina

Meu filho Bernardo, de seis anos, foi convidado para refrescar-se do calor sul brasileiro na piscina da casa de uma amiguinha da mesma idade. Lá estavam ele, a amiga e outra menininha encostados na borda da piscina, quando uma delas desafiou:

– Vamos ver quem chega mais rápido à outra borda?

O B desdenhou:

– Não, não... Estou muito velho pra essas coisas...

No mundo do Facebook

Nos calores dos albores de fevereiro, entrei no Facebook. Meu fake cedeu-me generosamente a senha da minha própria página e passei alguns dias fresteando por esse novo e estranho mundo.

Juro que nunca cevei preconceitos contra o Facebook, meu problema é falta de tempo. E, olha, reconheço e festejo sua utilidade. As pessoas têm necessidade de se expressar, e nem todo mundo escreve em jornal e fala na rádio e na TV. Trata-se de uma ferramenta tão poderosa que muitos dos meus colegas jornalistas confundem redes sociais com imprensa. São coisas diferentes. As redes sociais inevitavelmente têm de ser horizontais e a imprensa inevitavelmente tem de ser vertical e... mas isso é conversa técnica. Não interessa.

O que interessa é o mundo palpitante do Facebook. Que nem sempre é palpitante. Ora é, como diria o Eça, uma maçada, não muito diferente do real, vivido no dia a dia, no olho no olho. Mas em um aspecto é um mundo especial: é nele que as pessoas dizem como gostariam de ser e como querem que os outros as vejam. Cada post, cada foto tem um recado subjacente, uma informação sobre aquele ser humano. Valeria um estudo antropológico e psicológico mais profundo. Que eu não teria competência para fazer.

Resta-me o desfrute. Que não é pouca coisa. Neste lufa-lufa, como diria o José de Alencar, descobri ninguém menos do que ela...

...A Rainha do Facebook. Chama-se Isadora Neumann, trabalha na Zero Hora e, nunca pensei que diria isso de uma pessoa, posta como poucos postam. Isa lança pela vida digital diamantes diários. Zuckerberg deveria pagá-la por isso. Aprenda:

“No bar.

– Bruna, por que na tua comanda está escrito “Carol”?

Bruna:

– Porque tô entediada.”

“Acabei de usar ponto e vírgula. Pronto. Virei uma pessoa séria”.

“Ontem eu descobri que “saudade” não existe só em português, e agora eu não acredito em mais nada que me dizem”.

“Problemas da era digital.

Bruna Scirea está P da cara porque não consegue enviar e-mails para FêCris que está sentada na sua frente”.

“Por um mundo com brigadeiro de cerveja”.

“E eu sempre achei que couve era alface”.

“Não vou revelar onde estou, mas respeito muito um estabelecimento onde a senha do wi-fi é DEPUTAMADRE”.

“Só agora me dei conta: não existe onço, só onça”.


Viu? O mundo digital pode ser mais colorido.

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