sábado, 15 de fevereiro de 2014


15 de fevereiro de 2014 | N° 17705
NÍLSON SOUZA

Que país é este?

Amiga que mora em Londres me passa repetidos WhatsApps de pavor:

– O que está acontecendo aí? Que loucura é essa?

Num dia, ela vê a BBC mostrar cenas de pancadaria no centro do Rio, entre policiais e manifestantes anti-Copa. No outro, os jornais locais exibem a foto de um adolescente nu e ferido, acorrentado a um poste por justiceiros. Por telefone, ela fica sabendo que os porto-alegrenses passaram 15 dias sem ônibus e enfrentam uma onda de calor sem precedentes. E toma conhecimento da morte do cinegrafista atingido pelo rojão criminoso. Não passa dia sem que ela veja uma barbárie made in Brazil na imprensa londrina e nas redes sociais. Mas o que mais a espanta são as minhas respostas:

– Tá tudo bem. Já vai passar. Faremos uma Copa bonita. Pode voltar, querida!

Escrevo e me sinto o próprio conde Afonso Celso, aquele que escreveu em 1900 um livreto tão polêmico quanto inesquecível: Por que me Ufano de Meu País. Nessa obra, o mineiro, que foi poeta, escritor, político e fundador da Academia Brasileira de Letras, enaltece as potencialidades do Brasil de uma forma verdadeiramente ufanista. Da extensão territorial à miscigenação racial, passando pelas belezas naturais e pelas riquezas minerais, tudo é maravilhoso na visão do nosso imortal. Ele chega a dizer, no seu estilo rebuscado: “Deveis agradecer todo dia a Deus o haver Ele vos outorgado por berço o Brasil”.

Menos, conde, menos.

Mas o livro teve uma grande utilidade. Colocou no vocabulário nacional o termo ufanismo, que entrou definitivamente para o cotidiano do país durante o regime militar e solidificou-se com a conquista da Copa de 1970. “Pra frente, Brasil”, “Ninguém segura este país”, “Ninguém segura a juventude brasileira”. Eta, nóis!

Afonso Celso é trisavô de Dinho Ouro Preto, que vem a ser o vocalista da banda Capital Inicial. O título desta crônica é também o título de uma canção da Legião Urbana cantada por Dinho, que mexe com os jovens e diz o seguinte: “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a Constituição. Mas todos acreditam no futuro da nação”.

Bah, pior é que eu acredito mesmo. Não me considero ufanista, mas, quando vejo pessoas que trabalham duro, levam a vida honestamente, cuidam de doentes, praticam a solidariedade de forma anônima e se esforçam para educar os filhos, penso que este país tem jeito, sim.

E essas barbaridades que assustam a minha amiga em Londres?


Deixo Chico Buarque responder: vai passar. Ou o Eclesiastes: tudo passa.

Nenhum comentário: